Tinder na Praça Mauá

Tinder na Praça Mauá

Conheci Milena pelo aplicativo Tinder, ela não fez cerimônias para anunciar que fazia programas, ressaltando que eu não me arrependeria se aceitasse suas condições. Como muitas mulheres que se oferecem em aplicativos de namoro, ela marca em pontos fixos para conhecer o cliente antes de aceitá-lo. No caso dela, marcamos no Largo da Prainha, na Praça Mauá, onde afirmou frequentar regularmente.

Noite. Eu havia saído de uma peça em um teatro da Gávea quando a minha libido se manifestou, por volta das onze badaladas do relógio. Estava próximo da hora marcada para me encontrar com Milena e saciar a minha sede pelo mel viscoso de uma vagina. Entrei em um táxi e pedi ao motorista que me levasse à região portuária.

Dizem que colocar relatos de mulheres sem telefone não serve para nada. É provável, porém eles rendem boas histórias e oferecem ao afeiçoado forista o caminho das pedras de um universo pouco explorado. Não posso renegar esses achados.

Girl9

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Girl9

Assim que cheguei ao local, enviei um zap. Milena me disse exatamente onde estava e a roupa que vestia. Bonita, conferia com as fotos trocadas, mas havia nela um toque de excesso vulgar, como se não fizesse a menor questão de esconder que era uma ordinária. Ainda não sei dizer se isso me preocupou ou me excitou. A multidão no entorno impunha o anonimato aos meus dilemas.

Por sugestão dela, bebemos e conversamos para quebrar o gelo. Em determinado momento, vi uma tatuagem emergir entre seus seios, através do decote generoso que emoldurava o par de pêssegos convidativos à fome da boca. Duas cobras enroscadas e se beijando. Para provocar Milena, toquei levemente na tatuagem e a elogiei.

— Fiz na cadeia — ela responde sem que eu perguntasse.

CADEIA! Minha vontade foi correr dali, ir embora, mas a sinceridade da menina me deixou estático.

— Cadeia?! Como assim? — questionei.

Então, Milena me contou um imbróglio confuso, que envolvia roubo, culpava um ex-marido pela detenção de dois anos. Ao mesmo tempo que aquilo me apavorou, a possibilidade da conjunção carnal com uma ex-presidiária me causou excitação. Experiência de vida somada a experiência sexual. Levei em conta que a extrema sinceridade revelava um sintoma de redenção da moça.

Sugeri que fôssemos para o hotel Pompeu, perto de onde estávamos. Combinamos o pernoite por 500 reais, considerei o custo-benefício vantajoso, afinal este é o mês do meu aniversário. Foi quando ela respondeu que não precisávamos ir para motel, revelou que morava perto dali e preferia que o sexo fosse em sua cama. Estranhei…

Girl9

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Quando me dei conta, eu estava em um apartamento no alto do Morro da Conceição. Da janela, uma vista para o Centro da Cidade de tirar o fôlego, não menos deslumbrante foi testemunhar a nudez de Milena. Não havia só a tatuagem das cobras se beijando, tinha uma da Eva mordendo a maçã, outra de Eva e Adão no Paraíso, mais outra da Árvore da Vida. A garota era uma edição ilustrada da Gênese bíblica. Fazer sexo com ela teve o sabor de profanação.

A profecia que ela expressou antes de nos conhecermos se fez real. Não me arrependi do encontro nem do valor pago. Boquete, beijos profundos, seios em forma de pêssego que mamei com a fome dos recém-nascidos, consegui consumar até uma rodada de sexo anal. A aparente vulgaridade de Milena é o transbordamento da sua depravação. Duas ejaculações em uma noite, um recorde para um homem obeso da terceira idade.

O Sol queimava meu rosto quando despertei dos porões de um sono pesado. Vesti a roupa, deixei a grana combinada com Milena em cima da mesa de cabeceira e avisei que estava indo embora. A menina apenas murmurou um “depois me liga”.

Desci as ladeiras do Morro da Conceição sob um céu azul imaculado, alcancei a Rua Sacadura Cabral, entrei num táxi, emparelhei os meus aparelhos auditivos com o celular e retornei à bucólica Tijuca embalado pela trilha sonora do The Police.

Every Breath You Take

A vida pulsa. O libertino vive…

Girl9

Noturno da Praça da Bandeira

Noturno da Praça da Bandeira

Desembarquei do táxi na Praça da Bandeira, esquina com a Rua do Matoso. A noite avançava feroz em direção à madrugada. Subi os degraus da passarela que me levaria à entrada da Rua Ceará. Do alto daquela elevação, olhei ao redor, o manto noturno cobria tudo.

O Rio é uma cidade que fede, cheira a urina dos moradores de rua, emana o ranço da putrefação de cadáveres executados sob o obscurantismo assassino, transborda o odor amargo dos esgotos, chia o estridente desespero faminto dos ratos… E eu ali, com minhas roupas escuras e botas, no topo da passarela, uma figura gótica em uma cidade gótica. Uma Gotham City órfã de um Batman. No Rio, todos os heróis morreram. Restam os vultos, os fantasmas que nunca anunciam se são bons ou maus.

SOMETHING IN THE WAY

Vivi dias melancólicos nas últimas semanas, o início da velhice cria conflitos entre as nossas escolhas e as possibilidades que deixamos para trás. O tempo quer fazer a solidão incomodar, quer nos convencer de que não entramos por uma trilha segura, quer nos oprimir usando contra nós a nossa própria natureza. É um movimento de ondas truculentas, quer erodir as nossas convicções. Alguém diria que resistir é inútil, mas eu resisto.

Por uma dessas inexplicáveis coincidências, meu celular sincronizou aleatoriamente com os meus aparelhos auditivos e a voz do lendário Vincent Price inundou os meus ouvidos com versos que emolduraram o cenário que me envolvia…

VINCENT PRICE

Nessa noite, não quis dirigir. É mais fácil encontrar o abismo caminhando. Muitas vezes, o que busco é o abismo, curioso por saber o que avistarei ao encará-lo. A Rua Ceará quase não respirava, ressoava um silêncio traiçoeiro. Segui pisando sobre as calçadas rachadas, fendas profundas que guardavam a marcha de outros que pisaram sobre elas. Misturei-me às frenéticas baratas e aos sorrateiros camundongos que também se misturam às sombras. Não, eu não pretendia entrar na Vila Mimosa, lancei-me como quem salta sobre um precipício em direção à soturna Avenida Francisco Eugênio.

Morte

Passei pela Rua Sotero Reis e olhei para o corredor de paralelepípedos que conduz à degenerada Vila Mimosa, um cemitério de almas. Em uma cidade como o Rio, coexistem os cemitérios de corpos e os cemitérios de almas. Dante Alighieri já escreveu sobre lugares como a zona de meretrício: “Vós que entrais, abandonai toda a esperança.

Alcancei a Francisco Eugênio e como o poeta Dante caminhei pelos círculos do Inferno em busca de alguma Beatriz que me saciasse a sede pela saliva de um beijo, que me satisfizesse a fome por uma pele morna e de entrega fácil. Notívagos como eu são vampiros da paixão fugaz, do prazer efêmero.

Não demorei para avistar uma magrinha, muito magrinha, dessas que os ossos da clavícula se projetam sob os ombros, mas também era dessas magrelas que possuem bunda arrebitada, seios pontiagudos e coxas musculosas. Aproximei-me, seu nome não era Beatriz, chamava-se Renata.

— E o seu nome? — me perguntou.

— Dante. Me chamo Dante.

Em respostas às minhas dúvidas, disse-me que chupava até o fim, que beijava na boca e que fazia anal por um valor a mais. Caminhamos até um posto de GNV na esquina mais a frente, entramos em um táxi e pedi que o motorista me levasse até o Hotel Xanadu, o único que me veio à lembrança por aquelas redondezas. Quis saber se ela faria um pernoite comigo por 300 reais, ela quis 400, insisti nos 300, ela terminou aceitando a proposta.

Girl9

No quarto, nua, a menina conseguiu provocar a minha libido. De cara mergulhou com a boca no meu combalido pênis, chupou como quem degustasse um sorvete, a língua me saboreava com a arte e delicadeza de uma gueixa treinada com afinco, alternava o boquete com uma punheta vigorosa. Quando eu estava prestes a gozar, ela encaixou a camisinha no pulsante Pikachu, montou sobre o meu tronco, encaixou a vagina melada e rebolou gemendo e me olhando nos olhos. Ejaculei todas as páginas da Divina Comédia.

Adormeci com o rosto de Renata pousado sobre o meu tórax. Ao perceber os primeiros raios do Sol, nos despedimos.

Quando rompo a noite na rua, a luz do dia me incomoda. Era cedo quando cheguei à bucólica Tijuca, pensei ver criaturas esquálidas e calvas entrando em uma confeitaria onde um baixote, também calvo, reverenciava um pingado com pão na chapa, homens com mãos de aparência grotesca. Personagens que me pareceram ter fugido de algum episódio do Senhor dos Anéis, que não devem acreditar em libertinos e que enxergam a Lua como inimiga. Porém, nada disso interessa, talvez tenha sido um delírio do sono que me acometeu. Fechei os olhos e deixei que os pneus do táxi me levassem de volta ao meu chalé nos alpes tijucanos.

THRILLER