Noturno da Praça da Bandeira

Noturno da Praça da Bandeira

Desembarquei do táxi na Praça da Bandeira, esquina com a Rua do Matoso. A noite avançava feroz em direção à madrugada. Subi os degraus da passarela que me levaria à entrada da Rua Ceará. Do alto daquela elevação, olhei ao redor, o manto noturno cobria tudo.

O Rio é uma cidade que fede, cheira a urina dos moradores de rua, emana o ranço da putrefação de cadáveres executados sob o obscurantismo assassino, transborda o odor amargo dos esgotos, chia o estridente desespero faminto dos ratos… E eu ali, com minhas roupas escuras e botas, no topo da passarela, uma figura gótica em uma cidade gótica. Uma Gotham City órfã de um Batman. No Rio, todos os heróis morreram. Restam os vultos, os fantasmas que nunca anunciam se são bons ou maus.

SOMETHING IN THE WAY

Vivi dias melancólicos nas últimas semanas, o início da velhice cria conflitos entre as nossas escolhas e as possibilidades que deixamos para trás. O tempo quer fazer a solidão incomodar, quer nos convencer de que não entramos por uma trilha segura, quer nos oprimir usando contra nós a nossa própria natureza. É um movimento de ondas truculentas, quer erodir as nossas convicções. Alguém diria que resistir é inútil, mas eu resisto.

Por uma dessas inexplicáveis coincidências, meu celular sincronizou aleatoriamente com os meus aparelhos auditivos e a voz do lendário Vincent Price inundou os meus ouvidos com versos que emolduraram o cenário que me envolvia…

VINCENT PRICE

Nessa noite, não quis dirigir. É mais fácil encontrar o abismo caminhando. Muitas vezes, o que busco é o abismo, curioso por saber o que avistarei ao encará-lo. A Rua Ceará quase não respirava, ressoava um silêncio traiçoeiro. Segui pisando sobre as calçadas rachadas, fendas profundas que guardavam a marcha de outros que pisaram sobre elas. Misturei-me às frenéticas baratas e aos sorrateiros camundongos que também se misturam às sombras. Não, eu não pretendia entrar na Vila Mimosa, lancei-me como quem salta sobre um precipício em direção à soturna Avenida Francisco Eugênio.

Morte

Passei pela Rua Sotero Reis e olhei para o corredor de paralelepípedos que conduz à degenerada Vila Mimosa, um cemitério de almas. Em uma cidade como o Rio, coexistem os cemitérios de corpos e os cemitérios de almas. Dante Alighieri já escreveu sobre lugares como a zona de meretrício: “Vós que entrais, abandonai toda a esperança.

Alcancei a Francisco Eugênio e como o poeta Dante caminhei pelos círculos do Inferno em busca de alguma Beatriz que me saciasse a sede pela saliva de um beijo, que me satisfizesse a fome por uma pele morna e de entrega fácil. Notívagos como eu são vampiros da paixão fugaz, do prazer efêmero.

Não demorei para avistar uma magrinha, muito magrinha, dessas que os ossos da clavícula se projetam sob os ombros, mas também era dessas magrelas que possuem bunda arrebitada, seios pontiagudos e coxas musculosas. Aproximei-me, seu nome não era Beatriz, chamava-se Renata.

— E o seu nome? — me perguntou.

— Dante. Me chamo Dante.

Em respostas às minhas dúvidas, disse-me que chupava até o fim, que beijava na boca e que fazia anal por um valor a mais. Caminhamos até um posto de GNV na esquina mais a frente, entramos em um táxi e pedi que o motorista me levasse até o Hotel Xanadu, o único que me veio à lembrança por aquelas redondezas. Quis saber se ela faria um pernoite comigo por 300 reais, ela quis 400, insisti nos 300, ela terminou aceitando a proposta.

Girl9

No quarto, nua, a menina conseguiu provocar a minha libido. De cara mergulhou com a boca no meu combalido pênis, chupou como quem degustasse um sorvete, a língua me saboreava com a arte e delicadeza de uma gueixa treinada com afinco, alternava o boquete com uma punheta vigorosa. Quando eu estava prestes a gozar, ela encaixou a camisinha no pulsante Pikachu, montou sobre o meu tronco, encaixou a vagina melada e rebolou gemendo e me olhando nos olhos. Ejaculei todas as páginas da Divina Comédia.

Adormeci com o rosto de Renata pousado sobre o meu tórax. Ao perceber os primeiros raios do Sol, nos despedimos.

Quando rompo a noite na rua, a luz do dia me incomoda. Era cedo quando cheguei à bucólica Tijuca, pensei ver criaturas esquálidas e calvas entrando em uma confeitaria onde um baixote, também calvo, reverenciava um pingado com pão na chapa, homens com mãos de aparência grotesca. Personagens que me pareceram ter fugido de algum episódio do Senhor dos Anéis, que não devem acreditar em libertinos e que enxergam a Lua como inimiga. Porém, nada disso interessa, talvez tenha sido um delírio do sono que me acometeu. Fechei os olhos e deixei que os pneus do táxi me levassem de volta ao meu chalé nos alpes tijucanos.

THRILLER

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