A mulher do Diabo

A MULHER DO DIABO

Noite chuvosa de terça-feira, o relógio estava prestes a anunciar chegada da meia noite, não havia sono, foi quando convoquei o Sucatão e varamos a garagem para romper o asfalto molhado e nebuloso da Tijuca. Ruas vazias, uma garoa fina que insistia em ofuscar o para-brisa, nada indicava ser uma boa oportunidade para se buscar um momento de luxúria.

O horário avançado inviabilizava o sexo de cativeiro nas nossas conhecidas jaulinhas que chamamos de Termas, elas já estariam trancadas ou fechando naquela altura. Também não seria conveniente ligar para alguma das Mulheres-Pizza ou trepada delivery: as Frees, como nós conhecemos.

Para buscar o gozo quente naquela madrugada fria seria preciso me aventurar. Pense, leitor sem fé: o que é o sexo sem o tempero da aventura? O prazer repetitivo e sem emoção é quase como levarmos o pau para autenticar num Cartório.

Sim. Era melhor que aquela noite estivesse oculta sob a seda do imprevisível. Um Libertino escolhe ser libertino justamente por nutrir aversão ao tédio obeso e bolorento daquilo que já se conhece. Mas atente, meu devasso amigo, nem todo imprevisto significa ventura e nem toda empreitada nos rende um troféu.

Atravessamos a Presidente Vargas como num rali pelo deserto; ganhamos a Rio Branco, uma cidade fantasma; finalmente alcançamos a Ilha de Neon, penetramos na Lapa. Vila Mimosa, Lapa e Copacabana, os três únicos Reinos onde um Libertino pode encontrar páginas em branco para escrever suas letras épicas na alta madrugada.

Os faróis do Sucatão iam rasgando o negrume do piche correndo sob os pneus, meus olhos giravam em busca de alguma presa desgarrada pelas sarjetas. Cruzamos a Mem de Sá até a Rua do Senado, foi quando avistei a dupla: uma loira e uma mulata esboçando poses de me leva. Desacelerei o motor do meu combalido carro e aportei próximo à calçada, onde as duas vampes estavam estacionadas.

A mulata era fabulosa! Encaixada num vestido tubinho branco, bem justo; pernas grossas; cabelos alisados que despencavam pelas costas; a bunda em forma de colina; seios pequenos; barriguinha zero; lábios carnudos. A mulher pingava sexo quando andava.

A loira era apagada, sem que eu tenha necessidade de me estender mais na descrição.

— Gostei de você! Qual o seu nome? – Perguntei à mulata.

— Você vai foder com o nome, Gostoso? – Resposta à queima-roupa.

— É verdade, o nome não faz diferença. Mas você manda bem na cama?

— Você não perguntou meu nome? Sabe como me chamam? A Mulher do Diabo. Pergunta para ela? – Afirma ao mesmo tempo em que aponta para a amiga.

Responda-me, velho companheiro de tantas jornadas incrédulas, meu amigo leitor sem fé, do que mais eu precisaria para convidá-la a entrar no automóvel?

Partimos para a Glória, me decidi por um Motel na Rua Cândido Mendes, um antigo refúgio nas minhas fugas noturnas. Durante o percurso, a Mulher do Diabo ia apertando meu membro como se quisesse espremer um suco, não vou dizer que estava confortável, meu saco começava a ficar dolorido, mas aquele ímpeto de esmagar minhas bolas pelo menos revelava a empolgação da menina. Se os meus genitais sobrevivessem, o encontro prometia ser quente.

Segui suas instruções sobre o valor da doação que eu deveria oferecer, ficaríamos uma hora juntos, aceitei. Pedi um dos cubículos baratos do matadouro. Ao entrarmos no quarto somos recepcionados pelo cheiro festivo do mofo, algo comum nas alcovas do estabelecimento que escolhi.

A mulata não perde tempo, me imprensa no espelho da parede, me dá um nó de coxas e intimida:

— Gostoso, o pagamento é adiantado.

Concordo com a dedução do colega que me lê. Enviar mensagem de cobrança quando a febre começa a nos fazer superar a gravidade é algo brochante, mas era um direito dela. Não reclamei, paguei.

A menina ligou a TV, que deixou muda, depois ligou o rádio, colocando o volume nas alturas. Perguntei novamente pelo seu nome e ela respondeu que mesmo se dissesse um, seria falso. Portanto, não faria diferença dizer ou não dizer. Desisti. Fui para o banheiro, tranquei a porta, tirei a roupa e entrei no banho. Do lado de fora, o flashback de motel rolava solto e eu escutava uma voz esganiçada tentando acompanhar as músicas estrangeiras num idioleto desconhecido.

Terminei a ducha. Eu estava excitado com a ideia de abater aquela negra colossal. Enxugada rápida, enrolei a toalha no corpo e me precipitei para abrir a porta do banheiro. Não abriu. Rodei a chave outra vez. Nada. Forcei a maçaneta. Não abria. A ansiedade foi tomando conta. Sacudi novamente a maçaneta e dei umas pancadas na chave. Trancado por dentro! A claustrofobia começava a me fazer transpirar. Chamei a Mulher do Diabo e ela tentou me libertar por fora. A porta não se movia, era um tronco de madeira enraizado e fortificado entre mim e o orgasmo desejado.

Diante da frustração, sugeri que ela fosse pedir ajuda na recepção. Eu mal a escutei se vestindo, o som do rádio estava programado para aniquilar tímpanos. Só consegui ouvir a porta do quarto se fechando quando ela saiu para buscar auxílio. Fiquei de pé, escorado à porta, aguardando… Depois de vinte minutos de espera, desconfiei. Quarenta minutos se passaram e perdi a esperança. Soquei a porta. Gritei pelo basculante que eu estava preso no banheiro. Absolutamente nada! O quarto parecia envolvido num isolante acústico, a única coisa que se ouvia era o rádio estourando as paradas de sucesso do tempo do onça.

Sentei na privada e fiz um exercício de respiração para evitar o pânico. Minha certeza era imaginar que a piranha da Mulher do Diabo aproveitou-se da minha prisão involuntária para fugir com o cachê.

Talvez, por um nervosismo causado pela insólita situação, talvez pela falta do que fazer, eu senti vontade de defecar. Abri a tampa da latrina e caguei pensando nas pessoas das quais eu não gostava. Que passatempo maravilhoso! Limpei o intestino e a alma. Isso me ajudou a ficar mais calmo.

Um dos momentos mais comoventes da noite foi quando começou a tocar Sol de Primavera, do Beto Guedes. Lembrei das minhas paixões de outrora, da minha infância e até de alguns campeonatos de bolinha de gude que participei quando criança. O banheiro é realmente um lugar propício à meditação.

Mais de três horas se passaram…. Eu quase adormecia sentado no vaso sanitário, foi quando escutei alguém entrando no aposento. Corri para bater na porta, usei minhas últimas energias para pedir socorro. Uma voz idosa identificou-se como arrumadeira e foi chamar o gerente.

Logo escutei a voz de dois homens que me pediram paciência, iriam dar um jeito.

Aproveitei para vestir a roupa. Meia hora depois a porta se abria. Abracei, emocionado, os meus salvadores. O gerente me disse para ficar à vontade, me cobraria apenas o período, se desculpou pelo ocorrido. Revelou que estranhou quando viu a Mulher do Diabo saiu sozinha do motel, mas não quis incomodar.

Antes de me despedir, ajeitei meus cabelos, conferi meus pertences e ainda pude ouvir vazar pelos alto-falantes da alcova um som do passado, que brotava junto com as primeiras luzes do dia. Era o Eduardo Dusek cantando Nostradamus.

Uma resposta para “A mulher do Diabo”

Deixe uma resposta