FEITIÇO DO TEMPO 2

FEITIÇO DO TEMPO 2

Creia-me, estimado leitor. Venho saindo com meninas que atendem por conta própria, dando preferência as que possuem local. A minha colheita tem sido de boas experiências, um saldo positivo e surpreendente para quem antes priorizava como preferência às termas. Apesar disso, nunca me sinto totalmente satisfeito, falta sempre algo que a minha natureza sexual exige desde que o sexo deixou de ser um mistério para mim. Sim, na juventude o sexo ainda guarda aquela aura de mistério, um elemento que contribui para a nossa excitação incontrolável, mas é na fase mais madura que precisamos encontrar um afrodisíaco que substitua o mistério que se extinguiu. No meu caso, eu substituí o mistério pela adrenalina, pela aventura, pelas fronteiras desconhecidas.

Se em tempos remotos a grande façanha humana foi cruzar oceanos em busca de novos horizontes, de novos continentes, para o homem moderno a maior proeza é se enveredar por experiências sexuais que nos renovem, que nos façam sentir o pulsar do corpo, do existir. Não nego, afeiçoado leitor, tenho a necessidade de farejar mulheres como tubarões farejam sangue. É a caça que me excita, o desafio.

Estou trocando de carro, mas até que se formalize um desconto a que tenho direito para o meu novo veículo fiquei dependente de táxis, até duas semanas atrás. Um porteiro da minha rua, com necessidade de dinheiro extra, me ofereceu seu automóvel para alugar enquanto espero o desembaraço do meu imbróglio burocrático. Aceitei a proposta e aluguei a viatura do porteiro, um fusca bem cuidado, cor de vinho, com rodas de modelo antigo e rádio com toca-fitas e entrada para CD. Não sou afeito a luxos, prefiro ser prático. A verdade é que um fusca andando pelas ruas chama mais a atenção do que um BMW último modelo. É o que estou reparando nos meus rolés ocasionais.

Sábado à noite, beirando a madrugada. Fiquei na dúvida se seria conveniente sair durante este período de toque de recolher, mas a minha inquietação noturna me lançou às ruas. Para quem possuía um Corolla, entrar num fusca é um experimento quase claustrofóbico. O carro não tem ar-condicionado e o rádio é um provedor de estática. Como não possuo fitas cassetes dignas de utilização, levei uns CDs para não dirigir no silêncio. Encaixo a chave na ignição, piso na embreagem, aciono o acelerador e o fusquinha grita agudo, como se despertasse de um sono secular. Os pneus se movem e ganhamos o negrume do asfalto. A partir de agora, qualquer aventura é possível…

Ligo o rádio e introduzo um CD qualquer. A música invade a cabine, inunda meus ouvidos e faz meu coração acelerar empolgado. A voz de Annie Lennox faz o lobo velho e adormecido que me habita reagir a inércia que tenta domesticá-lo.

Sweet Dreams

O sangue ainda pulsa, eu estava de volta aos sete mares em busca de alimento para a minha alma sem direção. O roteiro noturno de um Rio interditado pelo vírus não nos deixa muitas opções. Peguei a Praça da Bandeira, entrei na Rua Ceará, a minha primeira visita seria ao território onde os homens que mijam em pé: A Vila Mimosa.

Senti dificuldade com a direção do Herbie (o fusca), em determinados momentos parecia que guiava uma carroça puxada por cavalos indomados. Aos poucos, fomos ganhando confiança um no outro, o afeto foi surgindo, até que deslizávamos em harmonia pelos recantos sombrios da cidade. Custei a conseguir estacionar o pequeno fusquinha. Rebelde e de volante pesado, as manobras me custavam um suadouro intenso. Assim que acomodei o carro, pisei com minhas botas gaúchas sobre os paralelepípedos da zona, território sagrado dos libertinos.

Fiquei em dúvida se estava na Mimosa ou no deserto do Saara. Havia tão pouca gente no lugar que era possível dizer que não havia ninguém. O único movimento vinha dos caminhões saindo e entrando do frigorífico. O céu cinza, o ambiente melancólico, tudo fazia com que eu me sentisse personagem de um romance policial, um detetive em busca da loira má. Não demorei muito na Vila, voltei para o fusca e partimos para a Lapa.

No caminho, o CD exala outro som que me empolga. Pitty cantando “Pulsos”. A guitarra faz meu envelhecido coração vibrar junto com os acordes, abro mais as janelas e não me seguro. Cantei.

“Tenta achar que não é assim tão mal, exercita a paciência, guardo os pulsos pro final. Saída de emergência…”

Pulsos

Você está certo, leitor sem fé. O sentimento de existir me invadia, me puxava para fora do corpo, me ressuscitava. Direi algo que poderá parecer um clichê, mas a noite é mágica. Enquanto alguns dormem, outros acordam.

Alcancei a Lapa, me enveredei pela Rua do Rezende na esperança de avistar as mariposas no ponto em frente ao hotel Andorinha. Nada. Estacionei o Herbie, agora com mais facilidade. Deixei o carro e fui caminhar. O boteco da esquina estava com meia porta aberta. O silêncio no entorno encobria a atmosfera com um tom sepulcral. Imaginando que não cruzaria com nenhuma Lei Seca, pedi uma dose da Salinas. Sorvi a cachaça como os Deuses sorvem a ambrosia. Imediatamente, as luzes ficaram mais brilhantes, as vozes mudas se tornaram audíveis. Tomei outro gole e foi quando a vi, a mulher rara de despudorada, flamejante e fugaz: a felicidade.

Das caixas de som do botequim emergiu uma música que eu não escutava há anos: Summertime, com Janis Joplin. Os acordes fizeram a noite ganhar um clima underground naquele pé-sujo com lâmpadas florescentes e homens naufragados.

Summertime

Percebi que não conseguiria nada na Lapa anestesiada por estes tempos hostis. Retornei ao fusca e deslizamos para outros territórios. Pego a rua 20 de Abril e quando me aproximo da rua do Senado vejo balões e a entrada de um sobrado com circulação de vida inteligente. Veio-me a sensação de descobrir um planeta após vagar pela escuridão fria do universo. O Feitiço do Tempo desafiava decretos e imposições, estava aberto.

Alojei Herbie no meio-fio e caminhei em direção àquela colônia mundana. Recebo uma comanda e subo os degraus infinitos. Quando entro no salão, me deparo com um ambiente escuríssimo, as mesas iluminadas por velas, poucos clientes e um número razoável de meninas que eu não conseguia identificar se eram humanas devido ao breu que encobria o lugar. Um cenário de taberna da Idade Média. Sinto dificuldade para enxergar em locais pouco iluminados, fui tateando para encontrar um assento. Esbarro em uma menina que me explica a falta de luz elétrica.

— Bebê, senta ali. A Light cortou a luz, mas o dono já acertou e eles devem religar daqui a pouco.

Sentei-me. Como eu disse, não conseguia enxergar muita coisa, via vultos, alguns arredondados e outros esguios. Uma senhora quase idosa se aproximou, minhas pernas tremeram, perguntou se eu queria beber alguma coisa, pedi uma cerveja. No terceiro latão, uma magrinha jeitosa acomodou-se ao meu lado. Bonita de rosto, mas o corpo de faquir. Naquela altura do campeonato, não importava muito, tudo era divino, tudo era maravilhoso. Sim, leitor sem fé, Belchior transbordava das caixas de som para explicar por que o nome do bordel é Feitiço do Tempo. E ao som de “Apenas um rapaz Latino-Americano“, iniciei o diálogo comercial com a magrinha.

Feita a entrevista básica, decido subir à alcova. Quarto pequeno, estilo cabine, dava para escutar a trilha sonora que vinha da boate. Cauby Peixoto cantava “Bastidores”. A alcova mergulhada nas trevas absolutas. Como conseguiria transar sem enxergar meu combalido pênis e ouvindo Cauby como som ambiente? A magrinha disse que ia pegar suas “coisas” e voltava logo. Fiquei ali, jogado na escuridão, com receio de ser currado. A porta se abriu, só reparei por causa de um fecho de luz de vela que entrou junto com a magrinha. Ela tira a roupa e me espantei um pouco com as costelas salientes da garota, parecia uma daquelas fotos de figuras famintas da Etiópia. Tentei não me concentrar naquilo. A magrinha avançou para o ataque, foi tirando minhas roupas, beijando meu peito, apertando minha bunda, perguntando do que eu gostava com um tom meio satânico. Não nego, amigo leitor, aquilo me assustou.

De repente, a vela apaga, fui lançado novamente à escuridão sem nem sequer saber onde minhas roupas estavam. Senti uma boca no meu pau, quis acreditar que era a magrinha, tentei apalpar a cabeça da menina e encontrei os cabelos. Talvez, haja quem goste, mas a sensação de trepar no breu absoluto não me foi muito agradável para mim. Eu tentava agarrar a magrinha e só abraçava o ar. Foi como sodomizar um fantasma. Comecei a sentir um comichão nas costas, havia alguma coisa no colchão. Formigas? Até hoje não sei. Do nada, senti a magrinha sentar no meu pau, era como se eu estivesse transando com a mulher invisível. Não enxergava nada. Só sensações. A garota se remexia em cima de mim e eu lembrei que poderia usar a lanterna do celular para clarear as trevas, o problema é que não fazia ideia onde teria ido parar as minhas roupas. A magrinha saiu de cima, senti novamente a boca no meu pau. Alguns segundo de boquete e ela me pede.

— Me come de quatro.

Eu ouvia a voz, mas sem saber de onde vinha. Parecia um filme religioso, em que o personagem ouve a voz de Deus, mas não o vê. Tentei achar a menina para comê-la de quatro, palmeei o colchão com receio de ser picado por algum inseto. Depois de uns quarenta segundos, esbarrei em algo que não sabia se era a perna ou o braço da garota, pois ambos tinham a mesma espessura. Fui acompanhando o contorno e finalmente esbarrei com alguma coisa que se assemelhava a uma vagina. Mais quarenta segundos para conseguir colocar a camisinha. Posicionei meu pau, já um pouco exausto da busca, e o introduzi naquela cavidade morna e úmida. Eu poderia estar fodendo com um melão que não saberia. Não havia uma ponta de luz dentro da cabine. Ouvi a menina gemer, imaginei que tinha acertado o alvo. Gozei e é provável que meus espermatozoides ainda estejam perdidos e assustados naquela escuridão.

Fui tateando pela cabine inteira até encontrar a minha calça, tirei o celular do bolso e acendi a lanterna. Foi quase uma reencenação bíblica da Gênese. Faça-se a luz! Eu me vesti e fui me guiando pelas sombras das velas que escorriam nas paredes. Ao pisar no salão, tocava “Como eu quero”, na voz da Paula Toller, algo um pouco mais contemporâneo. As putas, que mostravam saber de cor todas as letras, faziam coro.

“Longe do meu domínio, você vai de mal a pior. Vem que eu te ensino a ser bem melhor…”

Desci as escadas e reencontrei a rua. Respirei profundamente. Alegria de ver as lâmpadas de vapor de mercúrio, pálidas e tristes, se refletindo no Herbie. Acionei o motor, as luzes brilhantes do Relógio da Central serviram de bússola. Insiro um CD e a música transborda. Evanescence com Lithium

Lithium

O sangue pulsava, o coração tocava ao ritmo da bateria e a euforia tomou conta de tudo. Não duvide, a partir de agora qualquer aventura é possível… O libertino vive.

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