Valentina

Valentina

A cama é o ninho da luxúria, é o território onde repousamos nossos cansaços, onde mergulhamos nos sonhos, é o solo sagrado onde experimentamos o sexo, o orgasmo, o amor e a traição. A cama foi o camarote de onde assisti a quarentona de codinome Valentina emergir nua do chuveiro, com seu corpão irretocável, caminhando ainda úmido em minha direção. Encarava-me sorrindo com um olhar leve e selvagem.

Em momentos como esse, tudo entra em suspensão automática. A respiração pausa, os olhos esbugalham-se, a mudez nos domina. Um mulherão de beleza inquestionável, seu rosto lembrou o da atriz Giovanna Antonelli, principalmente o sorriso. É sarada, bunda digna de capa de revista, voz levemente rouca e sexy, barriga chapada. Linda e simpaticíssima.

Aqui é que reside a magia dos bordeis, podemos escolher, conversar, beber e nos divertir. Nenhuma sala de garota em algum prédio esquisito nos oferece isso. O bordel não é a manchete objetiva e fria como são os consultórios das freelas, há no puteiro o pulsar da vida e dos deleites de viver. Você faz o sexo e volta para se embriagar mais, para escolher outra, para mais conversas, esbarra com camaradas da libertinagem.

Não me surpreende que muitos foristas escrevam relatos como se ditassem prontuários médicos de alguma UTI com alto índice de falecimentos. O que eles experimentam é o sexo triste. Quando acaba, realmente acaba. Não há celebração, só o gozo e o coito definitivamente interrompido. No bordel… Ahh… no bordel, não. No bordel, quando termina o sexo, o prazer se estende, o orgasmo se amplia, a alegria permanece, ali somos eternos.

Óbvio que falo dos bons bordeis, que se tornaram raros e padecem da ameaça de extinção. A boate La Confraria, na rua da Quitanda, está entre os puteiros que resistem e que abrigam o clima ancestral da boa luxúria. Elenco com meninas bonitas, receptivas, não há censura ao beijo no salão, a música nos embala e é possível manter conversas relaxadas com as moças que nos agradam.

Conversei muito com Valentina, contou-me boa parte de sua vida, é uma mulher extremamente sedutora do alto da sua vasta experiência. É aquela puta que nos conquista e você fica com vontade de escrever “FODAM-SE TODOS VOCÊS” . Eu quero mais é me envolver, despencar em paixões, sentir o coração bater. O resto que se foda.

Disse a ela que só saio com mulheres que gostam de beijar na boca e que beijam com vontade.

— Só vamos saber se o beijo irá agradar se provarmos, né? — ela me responde antes de enfiar a língua na minha traqueia, no melhor estilo do ósculo roto-rooter. Cheguei a ficar sem fôlego.

Pedi uma alcova.

Retornamos à cena em que Valentina sai nua do chuveiro, corpo úmido, caminha com passos de pantera em direção à cama, aproximando-se dos meus olhos esbugalhados pela emoção de presenciar aquele milagre em forma de fêmea.

A mulher avança sobre a minha reação perplexa, nos abraçamos, nos beijamos mais, ela me oferece os seus seios indefectíveis, eu os mamo como um faminto recém-nascido. Valentina geme, me acaricia inteiro, desce a cabeça e me chupa com vontade de extrair seiva. O ritual se estendeu por longos minutos, em que ondas vulcânicas alertavam sobre uma possível erupção de espermas.

Prepara o terreno e monta sobre a minha virilha, encaixa o meu combalido pênis em sua vagina escaldante e rebola, quica, remexe, pressiona. Foi demais para este velho escriba, lancei meus espermas no látex num ato impiedoso, todos sufocados na euforia insana da busca frustrada pelo útero.

Após ressuscitar da pequena morte, prossegui na conversa com Valentina. Mulher apaixonante. Fodam-se todos vocês — é o que eu escreveria duas vezes . Que arte rara domina a concubina capaz de nos despertar a paixão. O tempo acabou, nos despedimos.

De volta à pista da boate, pedi um martini que saboreei devagar. Fiquei contemplando bundas desfilarem para os meus olhos. Terminei a taça, paguei a conta e desci. A rua da Quitanda estava silenciosa e deserta, pisei com minhas botas sobre os paralelepípedos, o som seco dos impactos foi abafado pela música que vazou dos meus aparelhos auditivos sincronizados com o celular…

BLUES

Naquela rua em penumbras, a noite se desenrolava como um tapete vermelho me convidando para a próxima morte, para a próxima ressurreição, para a próxima aventura. Porque o libertino vive e a noite pulsa…

Angel

IMPORIO PARIS

Rua Constança Barbosa, 188, Méier

Rio de Janeiro – RJ

(21) 99441-4248

Eu estava no Centro, assolado por um calor capaz de matar camelo num ato de homicídio culposo . Após o meu tradicional almoço de sexta-feira no incomparável Coliseu das Massas, lembrei-me da foto inserida num site especializado. Por que não? A menina faz meu tipo — Pensei.

Arrastei minhas células adiposas até a estação da Carioca, peguei o metrô, desci na imensidão árida da Central do Brasil e fui esperar o trem para o Méier. Poderia ter pegado um táxi, mas eu precisava de um pouco de ação para despertar a lombeira causada pelos quilos de massas ingeridas no Coliseu.

Inexperiente com os acessos da linha ferroviária, fiquei rodando como barata alucinada até me encontrar. Dentro do precário vagão, para abstrair da zoeira incômoda, sincronizei meus aparelhos auditivos com o celular e deixei que a trilha sonora deste episódio se fizesse.

DURAN DURAN

 A View to a Kill ”, nada mais conveniente enquanto eu sobrevoava os trilhos do subúrbio. Desço no Meier e, confesso, comecei a sentir um mal-estar devido ao clima abafado, mas o que não mata engorda. Decidi caminhar até Constança Barbosa, eu sabia o caminho.

Fui pisando pelas calçadas do Méier, me gravando de algumas namoradas que eu tive na região. Nos meus ouvidos, as batidas de “ It Feels So Good ” me embalavam adiante.

IT FEELS SO GOOD

Alcanço o endereço de Angel com 5 minutos de atraso. Entre no prédio e o porteiro me recebe…

— Qual seu nome, por favor? — pergunta.

—Dante. Eu chamo Dante.

O funcionário pega o telefone, cochicha e diz que posso subir.

Reconheço a sala, é a mesma onde trabalhou a Pérola, menina nota 10 com quem repete algumas vezes. A porta se abriu e me deparo com uma morena com olhar pecaminoso, rosto sexy, corpo exuberante. Não diria que é esbelta, é pedaçuda, suculenta.

Por uma dessas coincidências esquisitas, na mesma hora em que Angel abriu a porta, a música no meu ouvido mudou para “ Maneater ”. Um bom agouro.

MANEATER

A casa estava sem água. Quem tomou banho, sorte. Quem não tomou, sairia mais lambuzado. Eu estava limpinho e cheiroso como de hábito. Angel me conduz à pequena cabine e pediu que a aguardasse.

A menina retorna numa sumária lingerie vermelha e me beija. Beija sem teatro, com língua, com saliva, com lábios engatados. Não perdi tempo, arranquei os poucos panos da moça, saquei o meu aparelho de eletrochoque e o introduzi sobre o seu clitóris. Anjo geme alto, sem pudor. Gozou em espaços maravilhosos de se contemplar.


Recuperada do impacto, empinou-se toda e engoliu meu pênis combalido com sede de seiva. Chupou sem cansaço, punhetava, lambia meu corpo, mordiscou meu peito. Se alternava em territórios erógenos da minha estrutura obesa com a habilidade de uma serpente. Voltava a me chupar me encarando, olhos nos olhos, numa vibe ” Bette Davis Eyes “…

BETTE DAVIS EYES

Se Gonzaguinha me visse, diria: não dá mais pra segurar. Explodir coração .

Ejaculei o Big Bang, o começo do universo. Meus espermas espalharam-se pela atmosfera quente sabendo que morreriam sem conhecer um útero, mas guerreiros fiéis querem satisfazer o comandante, dar a vida por ele. Sim, meus espermas feneceram no choque com a parede, com o colchão, com o piso, com o rosto de Angel. Heróis. Silêncio. Luto.

Papo breve. A decepção foi que Angel não atendeu por fora, uma pena, eu a contratei para uma vista ao meu chalé nos Alpes Tijucanos. Voltei às ruas meio sem fôlego, parei já lanchonete de joelhos e devorei dois.

Sinalizei para um táxi. Pra bucólica Tijuca, por gentileza. O motorista acelerou. O Sol começava a se por, havia um cheiro de verão em pleno inverno. Nada como estar bem consigo mesmo, aliviado do tesão, sabendo que sou leal, corajoso e que vivo na claridade, seja sob a luz da manhã ou sob o brilho da Lua. Carrego a tocha que ilumina os trechos e me mostra o que nele quer se esconder.

Nos meus ouvidos tocava ” Disappear ” e naquele momento em que o céu fazia a transição para as estrelas, em que os pneus me deslizavam levando de volta para casa, em que tudo parecia simples, me senti feliz…

DESAPARECER


Marie

Marie

Um vento noturno e morno esbofeteava o meu rosto pela janela entreaberta. Ao som de Bllie Elish, o Sucatão avançava sobre o negrume do asfalto. As lufadas batiam num ritmo que me inquietavam.

BAD GUY

— Que merda que eu tô fazendo? — pensei quando saí da Avenida Brasil para me enveredar pelas penumbras da Rodovia Presidente Dutra.

A consciência da velhice vem com o fato de nos sentirmos deslocados dentro do nosso próprio tempo, é assim que começo a me sentir.

Conheci Marie pelo aplicativo Jaumo, a piranha fez questão de pronunciar o nome de modo afrancesado. Com um rosto capaz de espantar moscas de velório, a moça possui um corpo que parece esculpido em longas sessões de crossfit. Foda-se o rosto, não me interesso mais pela beleza da face, belos corpos são o que me soam como afrodisíaco.

Marie não fez cerimônias, se apresentou de cara como garota de programa, informou que não marcava encontros, quem quisesse que fosse encontrá-la onde ela trabalha ou poderia comprar os vídeos que ela produz. Deu-me como ponto de referência uma área não muito especificada da Rua Maria Leopoldina, em Nova Iguaçu, próximo ao Posto 13.

Aqui, retornamos ao início desta história. Sim, isso é uma história, porque o sexo não pode se transformar num registro burocrático, como se fosse um documento de cartório, carimbado com nível de avaliação e que irá ser contabilizado pela frieza dos números. Se for assim, irei concordar com a rameira que certa vez me disse que foristas levam uma vidinha de merda.

Um encontro sexual é um capítulo importante para aqueles que se propõem a vivê-lo. É uma das mais valiosas aventuras que nos restam, mesmo que seja vivida ao lado de uma prostituta. Indiferente às limitações linguísticas de cada um, o sexo deve ser narrado como um ritual.

— Qual referência na Rua Maria Leopoldina? — perguntei.

— Perto do posto. Faz assim, me espera no posto e te acho — respondeu-me procurando saber qual era o meu carro e a cor.

Imprevistos podem ser sinais ou somente imprevistos. O pneu do Sucatão furou em um território inóspito da Dutra, quando eu me aproximava do destino. Puta que pariu — praguejei (uma única vez está de bom tamanho, me ensinaram que o menos é mais).

Arremessei o carro para o acostamento, mas fiquei com a neura de que seria atropelado se desembarcasse. Milagres acontecem, logo surgiu uma viatura da Concessionária que administra a via e um rapaz fez a troca do pneu voluntariamente. Dei uma caixinha de 50 pilas porque percebi o olhar de expectativa do funcionário da via.

Alcancei o tal Posto 13. Ancorei o Sucatão. Cheguei adiantado, enviei mensagem à Marie e ela me pediu para esperá-la. Decidi caminhar pelos arredores e avistei um boteco animado, todo enfeitado com painéis de luzes de neon. Aproximei-me e entrei.

Os ladrilhos azuis que recobriam o bar estavam enfeitados com bexigas festivas e cartazes de aniversário. Considerei sair do local, pois me pareceu uma festa privada. Quando comecei a recuar, uma voz de barítono vibrou na minha direção.

— E aeee, parceiro. Que coisa grande é essa estufando a tua camisa? — me perguntou o sujeito.

— Isso aqui? É a minha barriga ostentando a falta de modéstia — respondi o óbvio.

O barítono gargalhou alto e me estendeu uma lata de Brahma.

— Bebe aí — ordenou-me —, tu é da vizinhança?

— Não, não. Vim encontrar uma menina.

— Ah, por aqui tem muitas meninas, tem pra todos os gostos, tem até boneca também. Por mim, se tiver orifício, tô dentro. É ou não é? — gargalhou alto novamente.

Pela primeira vez, eu ouvia a criatura humana ser definida como “orifício”. Bebi e saí de fininho. Fui esperar Marie próximo ao carro, era o mais seguro a fazer.

Marie chegou com um sorriso destacando um rosto que poderia ser confundido com o apocalipse, mas o corpo… que corpaço. Entramos no carro e partimos para um motel próximo, no trajeto ela me mostrou o ponto onde algumas meninas ficavam reunidas, prontas para atender aos caprichos masculinos em troca de uma prenda.

Foi bom. Marie beija bem, realizou um boquete surpreendente, me fez gozar rápido. Cumpriu a tarefa sem me causar espasmos empolgantes. Em menos de uma hora, me vi novamente na Dutra, agora retornando à bucólica Tijuca.

Terminei conhecendo um ponto que pode ser promissor se eu estiver com disposição para dirigir. Além das meninas de reputação duvidosa, também avistei as trans, como destacou o barítono do botequim. Para quem gosta de “orifícios”, o céu é o limite. Até o diabo tem direito ao livre arbítrio.

A noite era densa, se misturava ao asfalto. No rádio, tocava B.B.King. Um silêncio absoluto encobria o movimento reduzido de veículos. Seria a minha existência uma vidinha de merda como disse a puta amarga? O certo é que dediquei muitos anos aos caprichos da libido, mas eu era jovem e jovens são fantoches dos instintos.

THE THRILL IS GONE

Nesses mais de 20 anos escrevendo sobre sexo, compartilhei as minhas vivências em quase dez sites que nasceram e sumiram. Através da escrita, ajudei muitas meninas, algumas eu admirei, outras eu transformei.

Inventei paixões por mulheres incapazes de se apaixonar, pensei fazer amigos incapazes de compreender a minha amizade, passei perrengues perigosos, me arrisquei. Descobri que a mediocridade é ressentida e venenosa. Sobre a vaidade, é a sombra que nos trai. Todos os fóruns foram e são um tubo de ensaio da vida real.

Este velho escriba percorreu uma jornada longa. Sinceramente, não sei o que ainda não vivi. Vivi o que vivi no tempo em que deveria viver. Eu me permiti experimentar o infinito, livre das limitações, das censuras, dos preconceitos e dos ressentidos. A idade madura e o desenrolar irrefreável dos dias faz da última página uma perspectiva próxima. Se eu não for um Imortal da ABL, fui aqui.

Prestes a imbicar na Linha Vermelha, a música que emergiu do rádio prometia me proteger dos contrariados, pois São Jorge matou o dragão envolto pela luz da lua e eu matei muitos sob as lâmpadas rubras dos cabarés. A noite pulsa, o libertino ainda vive…

JORGE DA CAPADÓCIA

Ane

Ane

Vejo nos relatos atuais muitos putanheiros e raríssimos libertinos. Libertinos sempre foram raros, hoje são uma espécie em extinção. A diferença entre as duas categorias é cristalina, um é amador e o outro vive.

Nunca fui filiado a panelas, grupos de fóruns, sempre preservei a fortaleza da minha individualidade. Não acredito em turmas que surgem em canais virtuais, muito menos nos canais que versam sobre sexo. O libertino é aquele que anda só, não se restringe somente a consultórios particulares de garotas de programa ou motéis, ele frequenta os bordéis, as boates, as ruas. Busca sexo, mas também busca emoções.

Saí frustrado da 119, depois de um encontro com uma criatura inanimada, e segui para a 21, 210, MV30, Afrodite, Vanessa Rios, Bombeirinho… Na 210, um estranho painel indicando que ali é onde a mágica acontece, esqueceram de contratar o mágico. Exausto e sem esperança decidi dar a última cartada na La Confraria.

O relógio girava pelas 21h e andar no Centro nesse horário, pelas ruas anexas à Avenida Rio Branco, nos faz sentir como um astronauta caminhando no deserto silencioso do solo lunar. Até a gravidade é mais baixa, ficamos com a impressão de que iremos sair flutuando para lugar nenhum a qualquer momento. A respiração assusta, sombras apavoram.

Quando alcancei a La Confraria, na inóspita penumbra da Rua da Quitanda, já passavam alguns minutos das 21h. O tio da porta, velho conhecido, me passa a comanda. Subo.

A La Confraria se revela uma surpresa próspera, é um bordel que está conseguindo resgatar a atmosfera dos antigos bordeis. É possível ver mulheres bonitas, receptivas. As escolhas que fiz lá foram extremamente positivas e aceitam sair por fora.

Ane é uma morena de cabelos cacheados, corpão que ativa as nossas glândulas salivares no primeiro vislumbre, uma bunda que poderia estar em capa de revista, coxas grossas, curvas vertiginosas. Aprovada na entrevista, pedi uma alcova.

Ane não beija, ela nos abduz. O beijo dessa menina é beijo de namorada apaixonada, daquelas que querem se entregar de corpo e alma. É apaixonante. Beijei muito, dediquei litros de saliva inesquecíveis àquela estonteante morena. Enroscamo-nos com a vontade de nos fundirmos em um só elemento.

A garota se deita, eu me lanço afoito sobre ela. Beijo, chupo, me esfrego em cada pedaço do território pecaminoso que ela me oferece. Digo a você, forista sem fé e putanheiro de claustro, poucas vezes em minha jornada encontrei uma mulher com tanto fogo, com tanta entrega. Abalou o carcomido coração deste velho escriba.

Ane inverte a posição, vira o corpo de lado, empina-se e abocanha o meu combalido pênis num boquete que se revelou quase uma carnificina. Com a bunda voltada para os meus olhos incrédulos, a menina me engolia com fome, com sede de seiva. Enquanto ela me chupava feroz, eu alisava as curvas sinuosas do seu rabo, um rabo que daria manchete de jornal.

A mulher não quis mais largar o meu pau, ficou ali como um cachorro que descobriu alguma iguaria saborosa e só o soltou quando aparou toda a minha seiva em sua boca. Ane é um monstro sagrado do sexo.

Óbvio, peguei o telefone dela e nos despedimos. Paguei a dolorosa e saí flanando pelas ruas tenebrosas do Centro noturno. Eu estava tão desorientado que mal sabia para onde caminhava. Um táxi milagroso surgiu na minha rota, fiz sinal e retornei ao conforto aconchegante e seguro da bucólica Tijuca.

Tainá

Tainá


*La Confraria: Rua da Quitanda, 74 – Centro – RJ


A noite da última quarta-feira foi intensa.

Sou um homem de ondas. Posso passar dias, semanas ou até meses sem nenhuma vontade de ter contato com os subterrâneos da prostituição. É um mundo que às vezes pesa e nos contamina com uma vibração desagradável, sempre senti a necessidade de intercalar a vida promíscua com períodos de purificação.

De qualquer forma, como citei em outras experiências, já não me basta somente o sexo pelo sexo, preciso de uma pitada boêmia, de um pouco de adrenalina, para que o prazer da interseção carnal seja realmente um prazer.

Essa é a diferença entre o putanheiro e o libertino. O putanheiro é mecânico, quer somente a ejaculação linear; o libertino vive, quer abraçar todas as sensações. Um é bula, o outro é história. É a natureza de cada um.

Retornei à boate 119, fui a procura da descomunal morena que vi e não comi, seu nome é Índia. Chegando ao trash, esbarro logo de cara com a Pérola, minha última degustação, e percebi que ela ficou decepcionada quando avisei que estava lá por outra mulher. Pérola é uma beleza de menina, mas fiquei obcecado pela Índia como um Capitão Ahab indo à caça de Moby Dick.

Sou atormentado pela eterna ânsia por coisas remotas. Amo navegar por mares proibidos e desembarcar em costas bárbaras” — escreveu Herman Melville.

Creio sofrer da mesma cisma que o autor.

Índia não estava, não havia aparecido para trabalhar. Fiquei profundamente frustrado e arrependido de não a ter agarrado na noite anterior. Quem disse que sempre temos uma segunda chance? Perdi a oportunidade.

Os Deuses da luxúria, porém, amam os libertinos. Eis que surge no salão, como o sol da volúpia a queimar os nossos olhos, uma bela ninfeta com seios expostos, seios pequenos, empinados, com biquinhos rosados apontando para o teto. Chegou dançando, com um copo imenso de vodka na mão. Chama-se Jade. Salivei diante da menina… mas esse é outro caso e será contado em um tópico diferente.

Por acaso, na 119 encontrei o antiquíssimo forista Maledeto. Gente boa. Conversando, ele insistiu que fôssemos ao Clube La Confraria, na rua da Quitanda. Partimos pelas noturnas ruelas desertas do Centro e conseguimos alcançar o endereço sem sermos seviciados por silvícolas no meio do caminho.

Na recepção, um senhor pergunta os nossos nomes para anotar na comanda, meu amigo diz o dele e o meu.

— Sou o Maledeto e esse é o Dante, ele ainda está lá nos fóruns.

— Dante?! Nossa. Dante é relíquia — responde o recepcionista.

Poucas palavras para definir a fama inútil e uma velhice evidente: relíquia…

Para quem não conhece, a La Confraria é uma derivação da antiga Faceclub e da recente 74. Sim, havia mulheres e clientes no salão, o cenário não era ruim. Para o atual cenário das termas, a vista se mostrava bem favorável.

O salão do La Confraria não é grande, tem formato em “L” e é escuro, mas nos permite enxergar o que devemos ver. O bar fica na extremidade à direita da entrada. Uma garrafa da cerveja Corona custa 18 reais. Conjunções carnais de 40 minutos saem a 180 reais e por uma hora fica 270 reais.

Outros personagens das antigas apareceram no local, breves cumprimentos e sentei-me para contemplar o ambiente. Não demorou para que uma morena com um corpaço cruzasse os meus olhos, acenei para ela e a menina veio me cumprimentar. Lancei de cara a primeira pergunta…

— Estou querendo uma companhia, mas você beija? — pergunto.

— Claro que beijo — responde a mulher.

Nisso, ela cola os lábios nos meus e enfia a língua feroz que badalou a minha úvula. Arrepiou-me. Disse-me chamar-se Tainá. Sensualíssima. Conversamos mais um pouco e pedi uma alcova pelo período de uma hora. Tainá prometia raros deleites.

Colocaram-me num quarto imenso (talvez, a fama não seja tão inútil assim). Eu e Tainá nos banhamos juntos, com lábios e línguas se enroscando interminavelmente. Após nos secarmos, fomos para a cama tamanho king-size, continuamos nos beijando. Que beijo afrodisíaco e viciante essa menina tem. Simplesmente não parávamos de nos beijar, de roçar perigosamente a pele.

Tainá gemia, murmurando que estava uma delícia. Suguei seus peitos, chupei sua vagina cheirosa e úmida. A garota se contorcia em espasmos bruscos. Totalmente demais. Ela avança para me aplicar um boquete mata-leão. Admito que foi difícil resistir, quase entreguei os pontos, mas sobrevivi ao golpe.

Peço que Tainá fique de quatro e vislumbro aquela paisagem empinada, dourada, oferecendo-se ao coito como um tobogã erótico. Preparo o meu combalido pênis e o deslizo para dentro daquele reino dos mistérios vaginais.

Aumento as estocadas, a menina rebola, grita, avisa que vai gozar. Creio que gozei antes, lançando meus honrados guerreiros para serem mortos asfixiados dentro de um saco de látex. Trágico fim de milhares de espermatozoides esperançosos.

Tempo encerrado. Desci à pista da boate, resgatei Maledeto, que estava em petição de miséria após algumas doses de uísque, pegamos um táxi e dentro do carro reconheci a música que tocava.

NIRVANA

Da janela, as ruas e avenidas despovoadas e mudas se descortinavam. Decifra-me ou devoro-te — é o que todas as ruas parecem dizer à noite. Fecha-se mais um capítulo. Que não seja ainda o epílogo, porque a noite pulsa e o libertino vive.

Jady

Jady

MEU DEUS!

Acredite, leitor sem fé, foi com a exclamação da blasfêmia que exprimi a minha estupefação diante da aparição de uma novinha de 21 anos na pista da 119. Rebolando ao som de “Poker Face”, seminua, cabelos loiros cacheados, a pele de uma brancura imaculada, com seios empinados e firmes expostos, uma falsa magra exibindo um corpo durinho e impecável. A novinha causou uma crise de apneia coletiva no salão. Custei a acreditar no que estava vendo. Era quase a imagem de uma virgem entrando no bordel. Que me perdoem as maduras, mas a juventude é fundamental para velhos como eu.

POKER FACE

Os homens começaram a se movimentar para abordá-la, para atacá-la com o frenesi de espermatozoides na corrida em direção ao útero. Antecipei-me num salto quase olímpico e a puxei pelo braço para salvá-la dos lobos em aproximação.

Jade é o seu nome. É difícil ficar perto dela sem salivar, sem ter uma crise de ansiedade diante dos seios de bicos rosados quase nos tocando. Ela percebeu que eu olhava mais para os peitinhos do que para o seu rosto e, subitamente, pegou minha mão e levou até um deles, pediu que eu o apartasse. Isso no meio do salão lotado da 119…

MEU DEUS!

Sim, afeiçoado leitor, pela segunda vez eu blasfemei. Uma blasfêmia irrefreável diante do toque naquela textura sedutora do seio de Jade.

— Posso te pedir uma coisa? — ela me pergunta com voz doce.

— Claro. O que você quiser — respondo babando na camisa.

— Você me dá uma cerveja e um Red Bull?

— Se você me der um beijo na boca, dou sim — intimei.

Então, a menina agarra a minha cabeça, cola os lábios nos meus, enfia a língua em minha boca, toca a minha úvula e vou sentindo sua juventude invadir a minha alma. Em cada enrosco das línguas, sinto-me regredindo aos 40 anos, aos 30, aos 20… Quando ela interrompeu o beijo, eu me sentia como um adolescente.

Saí correndo desvairado para comprar a cerveja e o Red Bull. Se fosse possível, eu compraria também uma aliança e um Juiz de Paz para realizar o casamento. No balcão do bar, reparei uma situação esdrúxula, havia uma tela de celular com o GPArena aberto. Retornei à ninfa incendiária.

— Você sobe comigo? — perguntei.

— Subo, sim. Você deixa eu gozar com o meu vibrador?
 — ela devolve.

MEU DEUS!

E veio a terceira blasfêmia e, provavelmente, a minha condenação definitiva aos subterrâneos do Inferno.

Pedi uma alcova por uma hora. Subimos.

Enquanto escalávamos as escadas do sobrado, a menina comemora…

— Ai, acho que estou bêbada, amor – ri.

Quase me ajoelhei e agradeci a Agronopólos, o protetor dos libertinos da terceira idade, pela graça concedida.

Jade me conduz a uma cabine e pede que eu a aguarde. Um minuto se passa e ela retorna nua, completamente nua, absolutamente nua, totalmente demais. Babei no lençol.

A garota me beija, depois mergulho nos seios dela e fico ali mamando por vários minutos. Há quanto tempo em não mamava seios tão jovens, tão durinhos, de uma novinha sem filhos. Delícia é pouco.

Ela puxa um vibrador da bolsa, coloca sobre o clitóris e pede que eu a beije mais. Eu beijo, beijo mais, beijo muito. Ela geme, me oferece novamente os seus seios, eu mamo como um recém-nascido faminto. Continua gemendo baixinho, avisa que irá gozar. Goza. Perdição…

Se recupera do orgasmo e me pergunta se quero pegá-la de quatro. Eu quero, eu quero. Ela se ajeita e encurva-se mirando a bunda para o teto. Vem — ela me ordena. Fui. Se pudesse, jamais voltaria.

Meti meu combalido pênis naquela vagina jovial e apertada. Começo a estocar, Jade geme e rebola. Aumento o ritmo e a força. A garota parece querer mais forte, eu tento. Um filete de suor começa a escorrer da minha testa. De repente, gemendo, a menina lança um desafio…

— Você come o meu cu?

Já dizia o blasfemo Marquês de Sade: o cu é o altar.

Fiquei tão excitado com o tom inocente que ela usou na pergunta que tirei meu pau de dentro, arranquei a camisinha e jorrei os meus condenados espermas para todos os lados, num jato que deve ter alcançado o espaço sideral. Despenquei arfando no colchão, respirando ácaros que deviam estar ali desde a pré-história.

O som de “Bad Romance” que reverberava da boate servia de consolo ao meu nocaute…

BAD ROMANCE

Clube 119

Clube 119

O comprimido de Viagra que ingeri uma hora antes de sair da bucólica Tijuca devia estar possuído por Belzebu. Voltei a comungar com a Lavínia e passei pela MV30, onde fui conhecer Vick, dica de um colega. Depois, me vi na avenida Presidente Vargas, navegando com a minha piroga contra lufadas de ventos glaciais que pareciam fatiar a pele a cada novo impacto congelante.

Eu ainda estava meio atordoado após duas sequências sexuais. A intenção era retornar à verdejante Tijuca, mas me lembrei de que estava próximo ao Clube 119, na rua da Alfândega, e decidi conferir a casa. Não esperava nada de bom, na verdade esperava ver um cenário melancólico, digno de uma terça-feira magra. Acredite, forista sem fé, a vida às vezes decide nos surpreender e contrariar expectativas.

Quando terminei de escalar as incontáveis escadas do sobrado da Alfândega, me deparei com um salão lotado de clientes e mulheres. A pista do bordel 119 é pequena, escura, o bar fica centralizado, tentei me acomodar em alguma brecha que privilegiasse a observação e fui reparando que o lugar estava tomado por novinhas com seios quase expostos, um espetáculo que há tempos eu não via: as novinhas de peitinhos-agulha.

Até agora, não sei de onde saíram tantas ninfetas, mas a 119 estava surpreendente na terça-feira. Imagine, afeiçoado forista, havia fila para programa, fila para os quartos. O bordel estava bombando. Peguei uma cerveja e me postei como um paxá se preparando para saborear a próxima odalisca.

O clube 119 é infinitamente melhor do que a podridão insalubre da Uruguaiana 24, sob muitos aspectos supera também a 210 e é superior ao Bombeirinho. Os quartos, que são cabines, possuem cama de casal, mas as paredes não vão até o teto, o que nos permite ouvir ruídos de fodas vizinhas. Óbvio, quem almeja luxo, travesseiros de pena de ganso e lençóis de cetim, melhor ir para um resort na Tailândia.

Finalmente, conheci Pérola, uma ninfa bonita, longos cabelos negros, olhos de cigana, cheia de uma energia alegre. Conversamos, paguei uma bebida para a menina, fiz a entrevista básica e no fim perguntei se ela beijava na boca com vontade. A garota não respondeu com palavras, simplesmente puxou a minha cabeça e me tascou um beijo de língua no meio da pista que quase extraiu meus sisos. Pedi uma alcova, mas precisei aguardar na fila.

No segundo andar do sobrado, enquanto aguardávamos o quarto vagar, mulheres desfilavam nuas saindo de outros encontros carnais. Eu salivava a cada par de peitos que dava um rasante sobre os meus olhos esbugalhados. Sodoma e Gomorra era ali. De repente, do nada, começa uma discussão entre duas mulheres, briga de putas por algum motivo obscuro, desafiavam-se, berravam uma com a outra, ameaçam chegar às vias de fato, até que uma delas solta um grito de guerra enfurecido…

— Vou enfiar essa tua cabeça no teu cu — sentencia a meretriz enfurecida.

O choque de imaginar na prática a expressão proferida pela puta me fez engasgar com o gole de cerveja que deslizava pela minha garganta. Por sorte, avisaram que o quarto estava disponível e escapamos daquela arena de MMA.

Pérola é um doce de mulher. Muito carinhosa, sem frescura, carrega um piercing em cada bico dos seios, é magra com curvas acentuadas, bundinha empinada, barriguinha chapada, boca gulosa. Depois das duas gozadas anteriores, com Lavínia e Vick, minha potência sexual estava comprometida, mas Pérola fez milagre e conseguiu realizar uma cavalgada selvagem que me levou ao terceiro orgasmo. Terei que pagar promessa por isso.

Fiz a menina gozar com o meu aparelhinho de eletrochoque, pelo qual já recebi até ofertas em dinheiro para vender. Recusei.

Fim do encontro. Desci para tomar mais uma Corona no salão, foi quando cruzei com uma novinha descomunal, morena bronzeada, lábios carnudos, coxas grossas, peitos esfericamente perfeitos, bundão. Lindíssima. Pasmei. Corri para abordá-la e consegui me antecipar a um sujeito que também tentou interceptá-la.

Índia é o nome da morena. Cogitei uma quarta sessão sexual, porém percebi que seria completamente improdutiva. Perguntei quais os dias em que ela trabalha e me prometi retornar com a esperança de apalpar toda aquela textura exuberante.

Quando desembarquei do metrô, senti a minha velha carcaça esgotada. Se Pikachu tivesse autonomia, talvez ligasse para o Corpo de Bombeiros pedindo para ser resgatado. Entro no meu chalé nos alpes tijucanos. Cai o pano.

Lavínia

Lavínia

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Com raríssimas exceções, não consigo mais sentir qualquer emoção em entrar numa sala comercial como quem entra em uma consulta médica, tirar a roupa, transar e ir embora. Principalmente, sabendo que aquele ato é rotina para a profissional que me atendeu. Eu sairei e outro entrará. Não dá, a velhice me amputou das ilusões e a minha libido decaiu.

Há, porém, exceções. Mulheres que sabem seduzir. Pouquíssimas, mas há. Lavínia é uma delas.

Perdoei a minha face antissocial. Celibatário desde sempre, sem filhos, morando sozinho, aprendi a gostar da solidão, do silêncio. Já não me é mais possível a experiência do amor romântico, mas sou aberto às paixões fugazes. O problema é encontrar mulheres capazes de provocar o turbilhão de emoções e prazeres que despertem a fugacidade de uma paixonite. Mulheres assim, sejam profissionais ou não, estão à beira do desaparecimento.

Lavínia está entre as flores raras.

RÁDIO BLÁ Dancinha

Sincronizado com os meus aparelhos auditivos, Lobão cantava “Rádio Blá” nos meus ouvidos e eu atravessava a amplidão da noturna Cinelândia, cortada por ventos frios e salpicada de poucas pessoas, em busca de um boteco que me oferecesse uma “cracudinha” de cerveja.

Sou uma alma suicida, não posso beber e bebo, não posso comer certas iguarias e as devoro, não deveria andar em certos locais e ando. A vida é breve e seria insossa se aceitarmos contenções.

Aportei em um botequim na rua Alcindo Guanabara, ao lado do histórico Teatro Dulcina. Sentei-me, bebi, contemplei o cenário e pesquisei sobre opções de mulheres que pudessem me atrair e me atender naquele horário, perto das 22h.

Encontrei uma que me pareceu interessante pelas curvas que exibia em uma tal “mídia de comparação”. Digo honestamente, essa “mídia de comparação” deveria ser obrigatória em todos os sites de anunciantes, é um vídeo em que a mulher precisa se mostrar de forma natural em 360 graus, aí se vê a incrível disparidade de imagens entre as fotos e o vídeo que as mulheres são obrigadas a colocar para validação do anúncio.

Fiquei em dúvida entre uma loirinha do AA37 bem falada nos fóruns e a Lavínia. A loirinha quase colocou meu pênis numa cápsula criogênica, de tão gélida que foi a conversa pelo zap. Escolhi Lavínia, que é objetiva sem ser fria, não possuía relatos em fóruns, mas colecionava boas referências no site. Graças a Agronopólos — o Deus dos libertinos da terceira idade — dei sorte, muita sorte.

Chegando à sombria rua Evaristo da Veiga, devido a hora, precisei aguardar que ela descesse para liberar a minha entrada na portaria do prédio.

Rosto simpático, sorriso luminoso, cabelos longos e um corpo… um corpão escultural… um corpaço. Emoldurada em um vestidinho justo e curto, ela me puxou pela mão até o elevador e subimos. De cara, reparei que a menina era uma graça, afetuosa e espontânea.

Quando abriu a porta da sala, meus olhos precisaram de alguns segundos para se adaptar à meia luz. O espaço é amplo, limpo e confortável. A bela Lavínia perguntou-me se eu queria uma ducha e me entregou uma toalha ensacada.

De volta, após o banho, encontrei a menina coberta apenas por uma sumária lingerie. O corpo, que antes me pareceu escultural, agora, seminu, se exibiu escandalosamente impecável. Um latifúndio de pecado. A mulher é um tesão.

Não se fez de rogada, beijou-me a boca com língua, saliva, lábios enroscados. Minhas mãos apalpavam o volume firme dos glúteos de Lavínia. Traduzindo: eu apertava aquela bunda majestosa com força e fome.

Peço que a garota se deite, mamo longamente os seios esfericamente perfeitos, saco o meu aparelhinho de eletrochoque e o coloco sobre o clitóris. A moça geme, diz que está gostoso, pergunta onde comprei o apetrecho, fica inteiramente molhada, úmida, e goza generosamente sob o meu domínio.

Lavínia percebe a minha pequena manifestação fálica, a sombra do meu pau semiereto, e cai de boca num boquete habilíssimo, me engole em uma série de gargantas profundas, sobe para lamber meu tórax, me alisa inteiro, me lambe, chupa me masturbando. Delírio tropical.

Saca magicamente uma camisinha e consegue encaixá-la no meu combalido pênis, monta sobre ele com a bunda virada para os meus olhos e quica, rebola, esfrega, geme. Por Zeus. Por Agronopólos. Quase pedi clemência.

Não satisfeita, ela vira de frente, monta outra vez e me impinge os mesmos movimentos. Eu estava prestes a gozar, mas me pareceu que ela queria a seiva em sua boca. Volta a me chupar, me masturbar, me lamber e chego à conclusão que é inútil.

Meus espermatozoides saltaram em festa, felizes, como se bailassem ao som do ABA, vagando na abstração atmosférica, buscando o aconchego de algum útero, até fenecerem com o choque na concreta realidade. Luto e silêncio pelos guerreiros abnegados que mais uma vez deram a vida pelo meu prazer transitório.

ABA Dancinha

Eu e Lavínia conversamos um pouco e me despedi com a promessa certa de retornar. Saí do prédio e segui para a esquerda, em direção à notívaga Lapa. Logo avisto os Arcos como quem visse o Sol. O Sol dos boêmios. O Sol da volúpia. O Sol dos degenerados. O Sol que não ofusca as estrelas. O Sol da liberdade que somente é possível enxergar sob o manto escuro da noite.

Swing 2a2

Swing 2a2

O mundo do libertino é mais refletido à noite, é um território estendido que envolve outras modalidades de volúpias e meretrícios. É uma zona de surpresas e perigos.

Estava ansioso, esperando a morena que conheci pelo Tinder, o nome do registro é Pâmela. Como tantas outras cadastradas nesse aplicativo, Pâmela não se assume como garota de programa, diz que dá preferência para sair com quem gosta de mimar. Além dessa regra, ela diz que precisa rolar química, que eu entendi que só ocorre de acordo com o valor oferecido. Apelidei essa camuflada categoria de mulheres promíscuas de Sugar-Money.

Eu só tinha visto fotos. Fotos, dependendo do peso dos filtros, fazem qualquer jacaré se parecer com a Beyoncé. Ainda fico nervoso com esses encontros, no último deles conheci Tice, que até pude apresentar para uma rapaziada presente no Bar do Zezé, uma menina que me surpreendeu positivamente. Agora, esperava Pâmela em um bar da Praça Varnhagem, na feérica rua Almirante João Cândido Brasil, coração noturno da bucólica Tijuca. Disse-me ter 22 anos. Estava atrasada.

Eu me vesti de forma clássica. Como sempre digo, sou um britânico exilado nesses trópicos de manadas obtusas. Subitamente, uma morena exponencial atravessa o salão emoldurada por um vaporoso vestido vermelho cuja fenda em uma das pernas revelava a amostra da coxa afrodisíaca, ela me encarava como um matador de aluguel contratado para me fuzilar. Era Pâmela.

— Dante? — ela me pergunta.

— Sim. Dante, me chamo Dante.

Pâmela sorri e se senta sem cerimônias.

— Posso pedir um gim? — me lança na lata.

Assenti. Gim é uma febre feminina que chegou para falir um homem durante os encontros românticos, uma bebida cara, servida numa taça que parece banheira de Sabiá, carrega a única vantagem de embriagar com suavidade a vítima do nosso cortejo.

Na terceira dose de gim, acionei a calculadora do celular para estimar o prejuízo. Eu seguia devagar no meu uísque, esperando o álcool desativar alguma possível desconfiança da garota. Aguardei a quarta dose para dar início à conversa que revelaria o meu real objetivo.

— Estou com vontade de ir a um swing? Já foi? — a sorte estava lançada.

— Swing? Fui em um da Barra uma vez. Gostei — Pâmela responde.

— Quer me fazer companhia hoje?

— Depende? Vai me mimar?

— Topa por 250?

Pâmela frisa os olhos, titubeia e eu emendo…

— Pô, faz por 250. Assim consigo sair outras vezes com você.

— Aonde quer ir?

— No 2A2, em Botafogo.

— Agora?

— Agora — decretei.

Considero Botafogo um dos bairros mais irrelevantes do Rio de Janeiro, perde para o Andaraí. Não é um lugar para o qual nós vamos, é um lugar por onde passamos. Por algum motivo, talvez pela discrição, o 2A2 decidiu se instalar em uma casa na fronteira de Botafogo com o Humaitá, a soma de duas irrelevâncias geográficas é menos drástica.

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A boate estava lotada, fila, mulheres jovens com roupas que fariam Madonna enrubescer. Não demoramos para entrar, deixo meus pertences num saco que é guardado pela recepção. De cara, avisto novinhas com seios delirantes à mostra. Pâmela pergunta se posso pegar outro gim, não olhei mais a calculadora, estava convencido de que o prejuízo seria grande.

Meu desejo de pegar uma daquelas novinhas exibindo os peitinhos-agulha conseguia ser maior do que o tesão para comer a Pâmela, de quem eu só conseguia ver uma das pernas exibidas pela fenda do vestido vermelho. Após a segunda dose de gim (somadas a mais 4 do percurso), sugeri à morena Pâmela que subíssemos ao andar da luxúria. Ela aceitou, já estava em um estado etílico avançado, creio que aceitaria até doar um rim se alguém sugerisse. Subimos.

O segundo andar estava pegando fogo, gente se agarrando, casais se comendo, gemeção, só faltava o cavalo de Calígula. Percebi que Pâmela estava excitada com a visão. De repente, senti um bafo quente no meu ouvido, alguém cochichou…

— Boa noite — uma voz rouca que me lembrou a do meu avô.

Quando giro o pescoço, me deparo com um casal na faixa dos 70 anos de idade, o velho baixinho calvo e a mulher cheia rugas e fios brancos na cabeça.

— Desculpe-me por incomodar, mas é que reparei que você é da nossa faixa etária…

— EU?! — admito, fiquei indignado, não estou tão acabado assim. Sou um idoso que se pensa jovem

— Sim, o senhor. Sua esposa é mais jovem, eu percebi…

— Ah! Eu gosto dos mais velhinhos — responde Pâmela se intrometendo.

— É que a minha esposa gostou do senhor e eu gostei da jovenzinha que é sua companhia. Será que podemos fazer uma brincadeira?

Não tive tempo de mandar o velho indecoroso para o inferno, Pâmela interferiu antes.

— Vamos, amor. É diferente. Eu quero — ela diz.

Quando dei por mim, estávamos sendo conduzidos a uma sala escura, eu mal enxergava os vultos. Ouvi o velho gemendo ao meu lado e sussurrando “ai, que boquinha gostosa… ai, que boquinha gostosa”. Na esteira, em um gesto de violência sem precedentes, a velha grisalha arriou a minha calça com a ânsia de uma noiva do Drácula buscando a pulsante jugular. Meu combalido pênis foi vampirizado. Comecei a me beliscar, acreditei que aquilo tudo era um pesadelo, me debatia para acordar como quem afunda em uma areia movediça. Não acordei.

Cai o pano 

O Saara é aqui

—𝐎𝐒 𝐋𝐈𝐁𝐄𝐑𝐓𝐈𝐍𝐎𝐒 — 𝐀 𝐅𝐎𝐓𝐎𝐍𝐎𝐕𝐄𝐋𝐀

—𝑬𝑷𝑰𝑺𝑶́𝑫𝑰𝑶 𝑫𝑬 𝑯𝑶𝑱𝑬: 𝑶 𝑺𝑨𝑨𝑹𝑨 𝑬́ 𝑨𝑸𝑼𝑰—

Se eu já não sou de perambular durante o dia, imagine nos dias em que a rua exala o bafo de uma fornalha. Caminhando pela rua Uruguaiana após o almoço, houve um momento em que pensei enxergar fumaça subindo das calçadas, tive medo de ser vaporizado repentinamente. Devido ao calor, diante do mal-estar, a única imagem que me despertava a libido naquele instante era a de um ar-condicionado. Eu poderia fazer contrato de união estável com o ar-condicionado, poderia ter filhos com ele se fosse possível, formar família, comprar um apartamento do Minha Casa minha Vida e ser feliz pela eternidade ao lado de um refrigerador de ar.

Precisava passar pela loja do RioCard para desbloquear meu vale-surdo, mas quando vi a fila de pessoas suadas, se dissolvendo nos próprios fluidos, desisti. Eu estava cansado, arfando de tanto calor, prestes a ser vítima de uma congestão. Quando olho para o outro lado da rua, avisto a entrada do inferninho U24. Assolou-me a ideia pouco recomendável de entrar, sentar um pouco e tomar uma cerveja gelada para recompor o meu DNA que estava quase gaseificado. Entrei.

Acredite, forista sem fé. Não sei o que estava mais quente, a rua ou o interior do U24. Se na rua eu pensei ver fumaça subindo das calçadas, no interior do inferninho eu supus ver chamas emergindo do chão. Fervia. Ao apoiar a mão na parede, senti uma quentura de queimar epiderme.

Preferi me acomodar no segundo piso, a minha vontade era ficar nu, exibir minha pança para escandalizar o mundo, romper os paradigmas do corpo sarado. Eu estava perto do delirium tremens. Peguei a cerveja, não tão gelada, e me sentei em um canto qualquer para exercer a contemplação. Passou um sujeito de chinelo e camiseta vendendo cigarros a varejo, comprei, seria uma forma de tentar mudar o foco do calor. Estava tão quente que o tabaco quase entrou em combustão espontânea.

Se eu pretendi ficar nu, muitas mulheres estavam seminuas no local. Senti um cheiro estranho, como se alguma tampa de esgoto estivesse aberta. Talvez fosse uma impressão febril da minha mente perturbada pelas altas temperaturas.

Não avistei nenhuma lebre interessante até que, de repente, entrou uma morena exuberante, emoldurada por um biquíni minúsculo, completamente destoante das mulheres que estavam presentes. Um colosso de fêmea que me fez expelir uma exclamação nada britânica.

— Caralho!

Não, afeiçoado forista. Não era um caralho, era uma vagina, mas o cérebro não segue a associação correta das palavras nessas horas. A menina foi até o fundo da pista, cochichou com uma coroa gordinha que me pareceu a líder sexual do andar, a gordinha serviu a ela um drink e a morena voltou o rosto para olhar o salão.

Sei o que você está imaginando, afeiçoado: “o Dante é velho, está fora de forma, não vai conseguir foder nesse calorão, dentro de um inferninho de quinta categoria, em um dia de 50 graus na cidade”. Tudo correto, mas o que você não levou em conta é que sou bem resolvido com as frustrações sobre o meu desempenho venéreo. Não ligo se, ao invés de foder, me foder. Acontece. O libertino é um rebelde, mas também é um resignado.

Aquela mulher não ficaria sozinha por muito tempo. Urgia me adiantar. Acenei, a menina nem sorriu. Acenei novamente, ela me detectou no ambiente e se aproximou.

— E aí, gato? Vamos namorar?

Esse tipo de pergunta me condena a dez anos de impotência genital, mas tudo bem, decidi superar em consideração ao porte voluptuoso da moça que expressava o questionamento. Disse-me que havia uma promoção, 85 reais por uma hora. Aceitei.

Quem conhece as baias do U24 entenderá a minha descrição, os colchonetes são latifúndios de ácaros, o lençol deve ter pertencido a Dona Beja antes de parar ali. Você entra e começa a sentir coceiras. É um horror. Dizia vovó, porém, que aquilo que não mata, fortalece. Vamos em frente.

Meu pau não subiria nem com o auxílio de um guindaste. Com a barriga transbordante de massas do Coliseu das Massas, com os poros sobrecarregados pelo clima incandescente, nem se Jesus Cristo aparecesse e gritasse “Levanta-te, Lázaro” — nada aconteceria.

Ficamos aos beijos, esfregadas, mamei os peitinhos duros, alisei a bunda, deixei que ela me aplicasse um boquete e tenho certeza de que a sensação que a menina deve ter desfrutado foi a de lamber uma maria-mole. Eu me despedi antes de terminar o tempo. Nenhuma surpresa, não esperava mais do que isso. A garota se apresentou como Pietra, comentou que também faz ponto na 44, o que me fez concluir que realmente os bordeis de luxo acabaram.

Quando voltei para a Rua Uruguaiana, foi como desembarcar em uma cidade do interior do México. O calor insistia.

Caminhei até a Rua da Assembleia, entrei em um táxi e pedi ao motorista que tocasse a toda velocidade para a bucólica Tijuca. Olhando as ruas castigadas pelo Sol, comecei a crer que seremos extintos da mesma forma que foram os dinossauros. Até lá, a saga continua…

Match Tinder

Match Tinder

Por muitas vezes manifestei meu cansaço espiritual de sair com garotas de programa. Creio que me libido decaiu, minha paciência idem, enquanto o meu nível de exigências ascendeu significativamente. 

Diante dessas constatações, preferi começar a investir em aplicativos de relacionamento como o Tinder, para buscar as tais mulheres com interesses financeiros, mas sem os vícios das profissionais com alta rotatividade. Por sorte, estou conseguindo sucesso nessas buscas.

Meu último match foi com uma jovem de 21 anos, moradora do Morro do Juramento, foi muito receptiva, em nenhum momento me pediu nada. Percebi que era uma menina com necessidades financeiras e eu tomei a iniciativa de oferecer um “presente” pelo encontro, ela aceitou de bom grado e marcamos no meu chalé nos alpes Tijucanos.

Antes de confirmarmos tudo, a garota me enviou várias fotos e foi aprovada com louvor pelos meus olhos exigentes. Pedi que viesse com uma roupa discreta, pois a minha vizinhança é de idosos conservadores, mas foi como se eu pedisse o contrário disso.

Perla é o nome da moça e chegou à bucólica Tijuca em um vestido sumário e extremamente decotado. Quase joguei um cobertor sobre ela quando a vi na porta da minha casa. Ela tinha um casaco nas mãos, pedi que vestisse imediatamente, não reclamou e disfarçou a seminudez jogando o agasalho por cima dos decotes quase indecorosos.

Alta, cabelos ruivos, falsa magra com uma bunda capaz acordar bicho-preguiça, comecei a beijá-la assim que atravessamos a porta da minha residência. Beijou-me com vontade, com sede de língua.

Perguntou-me se eu queria que ela tirasse a roupa. Isso é pergunta? Agora, tira agora. Tirou e revelou seu corpo fresco, firme, curvilíneo e bronzeado. Por Zeus. Meu combalido Pikachu se manifestou em uma ereção surpreendente. 

Perla se deitou por cima do meu corpo, iniciou um banho de gata em cada pedaço da minha pele e o sexo aconteceu. Paro por aqui porque sexo é o mesmo sexo sobre qualquer cama, é a fricção dos corpos em busca do orgasmo. A química aconteceu.

Fausto Fawcett na Cabeça: o anacronismo do moderno

Fausto Fawcett na Cabeça: o anacronismo do moderno

Fui assistir ao documentário “Fausto Fawcett na Cabeça”, dirigido por Victor Lopez. Gostei.

Não faço crítica de filmes, ofereço impressões pessoais. Fausto ainda é o poeta psicodélico dos anos 80. Envelheceu fisicamente, mas continua moderno e inquieto, morando em uma Copacabana que não é mais a Copacabana que o gerou como artista. As boates dedicadas à luxúria feneceram, a Discoteca Help está soterrada sob as ruías de um museu eternamente inacabado. A rua Prado Júnior é um eco de lembranças boêmias que não mais pulsam. A avenida Atlântica é palco de punguistas.  Porém, Fausto ainda é lembrado e cantado nos versos icônicos de Kátia Flávia, a godiva do Irajá.

Com todos os meus amigos aderindo ao matrimônio precocemente ou seguindo por caminhos distantes da minha jornada, eu costumava perambular pelas noites de Copa, pelos inferninhos. Por muitas vezes ancorei no balcão do Cervantes para tomar um chope e esbarrava com Fausto Fawcet também batendo ponto no local. Fausto representava a efervescência criativa das noites erotizadas e boêmias de Copacabana.

Infelizmente, Copacabana se transformou em um bairro de indigentes de marquises e perigos sorrateiros que não existiam de forma tão agressiva nas noites das décadas de 80 e 90. Muitas boates foram engolidas pelas falências promovidas pela pandemia, mas também foram vítimas de uma limpa moralista aplicada àquele território. Cancelaram a prostituição, mas ela ainda existe nos guetos mais subterrâneos.

São melancólicas as cenas em que Fausto caminha pelas ruas de Copa, durante o dia, e percebemos que ele mesmo é o representante de um passado que não sobreviveu ao século 21. Porém, sobreviveram os seus versos de rap na boca de frequentadores dos botecos resistentes.

Regininha Poltergeist foi a musa loira que se encaixou com perfeição no som de Básico Instinto: a loura pólen, sangue, mel. A nossa nacionalização da Sharon Stone. Fausto enaltecia as loiras e fazia delas as protagonistas de suas letras. Também erotizadas, mas protagonistas.

As cenas de Fausto e sua banda tocando dentro das ruínas do inacabado Museu da Imagem e do Som são magníficas. Acredito que Fausto tenha conhecido e frequentado a Discoteca Help, o maior tempo da luxúria carioca de frente para o mar. É a Help que está sepultada sob aquele museu inconcluso, é ali que jaz um dos maiores símbolos das noites cariocas. E Fausto Fawcet canta sobre a tumba da luxúria, talvez em uma homenagem subliminar. Quem sabe?

O documentário é sobre o personagem que sobreviveu ao tempo, que continua moderno em sua postura, mas deslocado nesta nova realidade de um purgatório onde restou muito caos e pouco da beleza, bem menos libertária do que as noites dos anos 80. A narrativa nos seduz. Vale assistir.

Tinder na Praça Mauá

Tinder na Praça Mauá

Conheci Milena pelo aplicativo Tinder, ela não fez cerimônias para anunciar que fazia programas, ressaltando que eu não me arrependeria se aceitasse suas condições. Como muitas mulheres que se oferecem em aplicativos de namoro, ela marca em pontos fixos para conhecer o cliente antes de aceitá-lo. No caso dela, marcamos no Largo da Prainha, na Praça Mauá, onde afirmou frequentar regularmente.

Noite. Eu havia saído de uma peça em um teatro da Gávea quando a minha libido se manifestou, por volta das onze badaladas do relógio. Estava próximo da hora marcada para me encontrar com Milena e saciar a minha sede pelo mel viscoso de uma vagina. Entrei em um táxi e pedi ao motorista que me levasse à região portuária.

Dizem que colocar relatos de mulheres sem telefone não serve para nada. É provável, porém eles rendem boas histórias e oferecem ao afeiçoado forista o caminho das pedras de um universo pouco explorado. Não posso renegar esses achados.

Girl9

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Girl9

Assim que cheguei ao local, enviei um zap. Milena me disse exatamente onde estava e a roupa que vestia. Bonita, conferia com as fotos trocadas, mas havia nela um toque de excesso vulgar, como se não fizesse a menor questão de esconder que era uma ordinária. Ainda não sei dizer se isso me preocupou ou me excitou. A multidão no entorno impunha o anonimato aos meus dilemas.

Por sugestão dela, bebemos e conversamos para quebrar o gelo. Em determinado momento, vi uma tatuagem emergir entre seus seios, através do decote generoso que emoldurava o par de pêssegos convidativos à fome da boca. Duas cobras enroscadas e se beijando. Para provocar Milena, toquei levemente na tatuagem e a elogiei.

— Fiz na cadeia — ela responde sem que eu perguntasse.

CADEIA! Minha vontade foi correr dali, ir embora, mas a sinceridade da menina me deixou estático.

— Cadeia?! Como assim? — questionei.

Então, Milena me contou um imbróglio confuso, que envolvia roubo, culpava um ex-marido pela detenção de dois anos. Ao mesmo tempo que aquilo me apavorou, a possibilidade da conjunção carnal com uma ex-presidiária me causou excitação. Experiência de vida somada a experiência sexual. Levei em conta que a extrema sinceridade revelava um sintoma de redenção da moça.

Sugeri que fôssemos para o hotel Pompeu, perto de onde estávamos. Combinamos o pernoite por 500 reais, considerei o custo-benefício vantajoso, afinal este é o mês do meu aniversário. Foi quando ela respondeu que não precisávamos ir para motel, revelou que morava perto dali e preferia que o sexo fosse em sua cama. Estranhei…

Girl9

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Girl9

Quando me dei conta, eu estava em um apartamento no alto do Morro da Conceição. Da janela, uma vista para o Centro da Cidade de tirar o fôlego, não menos deslumbrante foi testemunhar a nudez de Milena. Não havia só a tatuagem das cobras se beijando, tinha uma da Eva mordendo a maçã, outra de Eva e Adão no Paraíso, mais outra da Árvore da Vida. A garota era uma edição ilustrada da Gênese bíblica. Fazer sexo com ela teve o sabor de profanação.

A profecia que ela expressou antes de nos conhecermos se fez real. Não me arrependi do encontro nem do valor pago. Boquete, beijos profundos, seios em forma de pêssego que mamei com a fome dos recém-nascidos, consegui consumar até uma rodada de sexo anal. A aparente vulgaridade de Milena é o transbordamento da sua depravação. Duas ejaculações em uma noite, um recorde para um homem obeso da terceira idade.

O Sol queimava meu rosto quando despertei dos porões de um sono pesado. Vesti a roupa, deixei a grana combinada com Milena em cima da mesa de cabeceira e avisei que estava indo embora. A menina apenas murmurou um “depois me liga”.

Desci as ladeiras do Morro da Conceição sob um céu azul imaculado, alcancei a Rua Sacadura Cabral, entrei num táxi, emparelhei os meus aparelhos auditivos com o celular e retornei à bucólica Tijuca embalado pela trilha sonora do The Police.

Every Breath You Take

A vida pulsa. O libertino vive…

Girl9

Barriga 4X4

BARRIGA TAMANHO 4X4

— Adoro homem barrigudinho.

Enquanto desenvolvia a apologia à minha inconstante obesidade, a menina dava uns tapinhas carinhosos no meu abdômen. Velhos são sentimentais, não nego que me comovi com o elogio da moça, quase a ponto de sentir os meus olhos marejarem de emoção. Em um mundo que enaltece a frivolidade das barrigas tanquinho, a minha pança se sentiu finalmente acolhida pela simulação do afeto. A mentira é um emplastro que anestesia as realidades devastadoras da vida.

Eu estava na 4X4, lugar pelo qual desenvolvi certo nível de aversão, tanto pelos preços quanto pela má vontade ostensiva que as mulheres demonstram quando entram no quarto, um contraste com o mel que elas nos derramam quando tentam nos capturar no salão da boate. Como justifico a minha presença em uma casa que afirmo não gostar e que nos cobra os olhos da cara? Explico a minha decisão com base na absoluta ausência de boas opções noturnas. Fora os trashes, a 4×4 é o único bordel que sobrevive às ruínas do Centro, talvez persista por ter sobrevivido à própria incineração que a acometeu há alguns anos. O fato é que eu estava lá, incrédulo por estar lá.

Não satisfeita em estapear a minha barriga, a mulher avançou para abraçá-la, o que me gerou algum constrangimento. Tratava a minha pança como um ser vivo autônomo, separado do meu conjunto físico. É possível, caso ela pudesse optar, que dispensasse a minha presença e subisse à alcova somente com a minha barriga ovalada, que por sua vez me pediria impudicamente para que eu a esperasse retornar da conjunção carnal.

Para mudar o foco, perguntei o nome da aficionada em buchos protuberantes.

— Valéria. E o seu?

— Dante. Meu nome é Dante.

Sentamo-nos em um canto discreto e empreendi a entrevista básica, sem pretensão de escalar as escadas até o quarto. Ocorreu que a Valéria foi aprovada com louvor nas respostas aos meus questionamentos, com uma única estranha ressalva, a menina continuamente desviava os olhos dos meus olhos para encarar o meu umbigo, que se exibia assanhado por uma fresta do roupão puído que me ofereceram no vestiário. Valéria não parecia ter somente uma preferência pelos barrigudos, a situação começava a se revelar como uma tara.

Barrigas não possuem glamour, mas a minha deve ter neurônios, pois pressenti a preocupação dela reverberando no estômago e no intestino. Literalmente, senti um frio na barriga quando a garota, mais uma vez, tentou abraçá-la enquanto estávamos sentados e conversando. Que psicopatia seria essa?

Desisti de pensar sobre o assunto. Afinal, foi na 4X4 que uma das messalinas me ofereceu um kit de Herbalife num passado não muito distante. Criaturas exóticas me perseguem.

GOL DE BARRIGA

Com Pikachu — o Breve — sentindo-se desprezado, decidi oferecer a minha barriga ao sacrifício. Não me perguntem o porquê, mas o fetiche da cortesã se mostrava tão intenso que terminou me excitando pela curiosidade científica de investigar o fenômeno com mais atenta profundidade. Pedi uma alcova.

Já no quarto, tomei um banho e desnudei-me. Valéria já me esperava nua na cama, um corpo interessante, curvilíneo e com relevos atraentes. Deitei-me, a menina saltou sobre o meu tronco e agarrou-me como a ferocidade de um bicho-preguiça, fiquei imobilizado. A mulher lambeu meus mamilos, desceu com a língua deslizando sobre a minha barriga e mergulhou no meu umbigo como se sorvesse um prato fundo de sopa. O nível da perversão dela por determinados itens do corpo alheio é assustador.

O tempo era curto e Pikachu não dava sinais de entusiasmo. Prestes a encerrar o encontro, Valéria voltou a lamber o meu umbigo enquanto me masturbava. Gozei de medo e nos despedimos.

A VIDA PULSA

Trajando roupas escuras — minha predileção — misturei-me às penumbras noturnas do desértico Centro da Cidade e resgatei o Sucatão num ponto remoto da Rua Buenos Aires. Retornei à bucólica Tijuca.

Passava das 22h quando estacionei o carro na Praça Xavier de Brito. Caminhando em direção ao meu chalé, cruzo com uma ninfeta despudoradamente comprimida em uma malha de Crossfit, passeava com um cachorro. O meu combalido pênis saltou pressionando a minha calça de dentro para fora. Até que o tempo me castre definitivamente, a vida pulsa e o libertino vive.

Godiva de Cascadura

A Godiva de Cascadura

Tarde morna. Cheguei no Largo de Cascadura pelas quatro horas. Não havia muito movimento, uma calmaria de preguiça anunciava o crepúsculo do sábado. O motivo da minha viagem, saindo da bucólica Tijuca até o coração do subúrbio, se resumia em um encontro marcado com uma garota do Tinder que tem o nome de Karina.

Pelas fotos do aplicativo, Karina se mostrava uma ninfeta loira, uns 25 anos de idade, falsa magra, pernas bem torneadas, sorriso estampando um aparelho odontológico e olhos disfarçados por óculos de aro redondo. Não havia beleza extrema em seus traços, mas vibrava na sensualidade de um corpo escandalosamente provocante. 

Estacionei o Sucatão e aguardei. Fiquei surpreso ao reparar que a boate Rout 77 acabou. A menina se atrasou um pouco. Quando surgiu, veio como uma alvorada inesperada e sexy. Emoldurada por um vestidinho branco curtíssimo, pernas à mostra, um top decotado, pele bronzeada, cabelos loiros desaguando em cachos pelas costas… visão de afrontar o fôlego dos pedestres. Ela reconheceu o meu carro pela descrição que ofereci, se aproximou da janela, me tascou um selinho e me convidou para desembarcar do veículo.

— Não seria melhor sairmos daqui para outro lugar em que pudéssemos bater um papo tranquilo? — sugeri.

— Por que não ficamos por aqui mesmo e vamos namorar dentro do cinema? Há muito tempo não namoro num cinema — o cinema ao qual ela se referia é o Cine Regência, um conhecido point de pegação gay às margens da linha de trem.

— Não sei… é estranho — respondi — a menina se revelou agressivamente direta nos seus objetivos, um espírito aventureiro raro de se encontrar atualmente.

Karina silenciou. Com receio de que ela desse alguma sugestão ainda pior, decidi aceitar o cinema. Paguei a nossa entrada, subimos uma antiga e decadente escada em curva, adentramos em um hall espaçoso que formava a última etapa antes da sala de projeção.

Um filme pornográfico na tela, a sala numa escuridão profunda, vultos masculinos transitando pelos corredores laterais como se fossem almas penadas emergindo do passado remoto. Eu não enxergava nada, Karina me conduziu pela mão e sentamo-nos na altura da metade das fileiras de poltronas. Avancei para beijá-la na boca, ela retribuiu colocando a mão sobre o meu combalido pênis.

— Se eu fosse mulher, iria dizer que você é um homem apressado — brinquei.

— Ué? Não é isso que você quer? — ela insistiu nas investidas ousadas.

Voltei a beijá-la enquanto descia o seu top, os seios pequenos, de biquinhos rosados e durinhos, pareciam suplicar para serem mamados. Mamei como um bebê na primeira manifestação da fome. Karina gemia baixo, apertava mais forte o meu pau. Ergui o rosto para beijar novamente sua boca e no trajeto até os seus lábios tive a impressão de avistar um homem fazendo sexo oral em outro homem mais à esquerda de onde estávamos sentados. Nossas línguas se enroscaram alheias às sodomias penumbrosas que nos rodeavam.

Um puxão na minha calça, Karina queria arriá-la. Colaborei, abri o cinto, o zíper, contorci meu corpo e a calça foi ao chão. A mulher pega no meu membro, simula a masturbação e o engole inteiro com um movimento de maxilar que me lembrou um crocodilo faminto. Incansável, me chupou muito, em vários momentos quase me despertou a ejaculação e quando eu estava próximo do gozo supremo senti uma mão pesada alisando o meu ombro. Um velho com olhos de depravação alisava o meu ombro. Levei um susto e brochei. Karina percebeu o velho se insinuando e quis puxar a mão dele para pegar o meu pau.

— Não, não, não. Isso não — cortei o barato inconveniente da moça.

O idoso sentiu que não era bem-vindo e se afastou. Karina levantou o microvestido, tirou a calcinha e montou sobre o meu desconfiado pênis. Começou a rebolar, quicar, gemer. A pornografia da tela despertava menos interesse do que o show que a ninfa improvisou para a pequena multidão LGTBA que nos rodeava. A ousadia feroz da garota, a situação absolutamente inusitada, os movimentos da vagina sobre a minha virilha… Gozei todas as páginas do Kama Sutra.

Depois da inesperada apresentação de sexo ao vivo, deixamos o cinema. Ela entrou comigo no Sucatão.

— Gostou? — fez a pergunta.

— Muito — respondi.

— Então… bem que você podia me dar um presentinho agora, né? — finalmente, ela revelava a única verdade de todos os acontecimentos do nosso encontro.

— Dinheiro? — ainda não sei o porquê de ter feito pergunta tão idiota.

— Bala Juquinha que não é, gato? — ela riu após a justa resposta.

Puxei cem reais e entreguei com receio de que ela reclamasse do valor, mas aceitou com um sorriso.

— Não precisa me levar, eu moro aqui perto — avisou.

Desembarcou do carro e desapareceu numa esquina. Acionei o motor do meu velho companheiro inanimado e os pneus giraram em direção ao viaduto. A noite estava prestes a engolfar a cidade, a cobri-la com a lua e suas estrelas. A vida pulsa e o libertino vive.

Jane

JANE

Meia-noite… já havia saboreado algumas iguarias no tradicional Bar Brasil, um dos meus pousos preferidos na Mem de Sá. Ao sair do local, fiquei estático, sem conseguir decidir a direção que tomaria, foi quando um camarada conhecido cruzou comigo, trocamos alguma palavras e ele seguiu. Permaneci enraizado onde estava, tentando traçar um objetivo. A Lapa fervia, cheirava a luxúria. O clima quente e o cansaço da terceira idade me empurraram para a opção mais cômoda, do outro lado da rua: a boate Up House.

Atravessei a pista, fui caminhando para a boate, no meio do trajeto uma mocinha segura o meu braço e fala comigo num castelhano fluente, creio que desejava me jogar para dentro de uma daquelas casas de samba. Desvencilhei-me e continuei seguindo a minha bússola. Entrei na Up House.

Boate vazia, mas com um time razoável de mulheres. De cara, duas mulatas me atraíram, mas preferi beber mais umas doses de uísque antes da escolha definitiva. Vejo dois companheiros conhecidos, me cumprimentam, trocamos um diálogo e retornamos à individualidade da caça. O uísque já não estava caindo bem, pedi uma garrafa de água. De repente — pois à noite tudo é de repente — alvorece no salão uma mulher colossal, alta, encorpada, seios grandes e firmes expostos por um decote pornográfico, rosto bonito, coxas grossíssimas, lábios carnudos, morena jambo. Uma fartura de mulher. Tão exuberante que intimidava.

Preferi não perder tempo, aproximei-me. Se chama Jane, é paulista, deve retornar à terra da garoa na próxima semana. De perto, sua presença se mostrava mais impressionante. Ela quase encosta o rosto no meu rosto, seus lábios se ofereciam aos meus, minha boca salivava. Faço a entrevista básica, as respostas me satisfazem. Pedi uma alcova. Subimos.

No andar de cima, duas meninas sairam despidas das cabines, seios amostras, bicos rosados iluminando a penumbra como faróis num mar revolto. A tia dos quartos demora para nos atender. O banheiro é coletivo, sem toalha. Dou uma esguichada de água no pau com a duchinha perto do vaso sanitário e vou para a cabine. Jane me esperava nua.

Beijos de língua, corpos roçando-se, saltei sobre aqueles seios suculentos e mamei como um recém-nascido. Jane começou a me chamar de bezerro, o que interferiu negativamente na minha ereção. Desço para a boceta, chupo, ela geme, se contorce, aperta a vulva contra o meu rosto, quase me sufoca. Inverte-se a posição, ela me chupa, chupa com vontade, alisando meu saco, engolindo o meu combalido pênis até a raiz. Resisto.

Jane se posiciona em um 69, ficamos por uns bons minutos nos chupando, cheguei perto do gozo, mas segurei. Pikachu — o breve — estava ereto, firme. A garota fica de quatro e pergunta se quero o seu cuzinho. Sade dizia que o altar é o cu, então quem ajoelha tem que rezar. Aceitei.

Jane se empina como um tobogã erótico, pega no meu membro em uma manobra contorcionista por debaixo do próprio corpo e o introduz no pequeno orifício anal. Senti o pau afundando naquela cavidade aquecida, há tempos eu não comia um cu. Estoquei devagar, fui aumentando a pressão e a velocidade, a cada metida Jane se empinava mais, ficou tão arqueada que tive medo de escorregar de corpo inteiro para dentro do seu ânus. Quase sem fôlego, percebi que a minha erupção iria acontecer. Gozei todas as histórias das Mil e uma Noites.

Não houve muita conversa. Vesti a minha roupa, me despedi, paguei a conta do consumo e retornei às ruas. Olhei o relógio, passava das duas horas da madrugada. Continuei andando a esmo. Do outro lado da rua, o som de pagode animado emergia de um boteco raiz, raridade na Lapa moderna. Invadi o botequim e pedi uma Salinas. O mundo parecia estar resumido à alegria simplória daquele pé-sujo. O pagode não cessava. Eu não queria mais ouvir. Sincronizo os meus aparelhos auditivos com o celular e deixo que as batidas abafem o som externo.

LINKIN PARK

Dancinha

Aquela pequena ilha remota do planeta não queria amanhecer, exigia permanecer noite, numa afronta à natureza das coisas. O efeito do álcool fazia tudo brilhar mais intensamente. A melodia nos meus ouvidos embalava a ressurreição do meu corpo. A noite é um abraço morno, um beijo forte. Sim, é à noite que a vida pulsa, é à noite que o libertino vive… Evoé! 

Reverência

Carnaval erradio

Carnaval erradio

 

1 – CARNAVAL ERRADIO

O táxi percorria caminhos sinuosos, desviava-se das retenções carnavalescas na única noite em que me atrevi a explorar a atmosfera noturna do reinado de Momo. Olhando pela janela do automóvel, observei foliões caminhando como zumbis pelas ruas ermas do Centro da Cidade sem imaginar o que viria para mim. Senti saudades dos carnavais da Discoteca Help — em Copacabana — das mulheres seminuas naquela arena congelada pela decoração da década de 80. A Help foi meu ponto preferido para me exercitar no carnaval durante muitos anos.

Admito, devo ser ruim da cabeça ou doente dos pés, pois odeio samba, pagode e derivados. Como sempre cito, sou uma alma britânica exilada neste subúrbio do mundo. Tomei a decisão, no entanto, de me arriscar em uma das noites dedicadas a pierrôs e arlequinas. Infelizmente, a minha ideia revelaria toda a sua complexidade no decorrer dos fatos.

— Olha, vou ter que deixar o senhor por aqui, no máximo um pouquinho mais a frente. O que o senhor prefere? — o taxista me corta os pensamentos com a súbita notícia.

Meus olhos giraram pelo entorno e o sujeito queria me largar na esquina da Avenida Rio Branco com a Avenida Presidente Vargas, quando havia solicitado que me deixasse o mais próximo possível da Lapa. Recusei-me a desembarcar naquele ponto tão distante do meu objetivo.

De má vontade, o motorista executou manobras proteladoras e me avisou que daquele local não passaria. Estávamos na esquina da Rua do Ouvidor com a Primeiro de Março, não se escutava nem o som de grilos na região e os vaga-lumes haviam fugido, um vácuo, uma avalanche de silêncio vagando pelas penumbras assombradas dos antigos sobrados.

— Motorista, não consegue me deixar um pouco mais perto da Lapa? É muito arriscado descer aqui e estamos muito longe dos Arcos. Estou vendo que tudo está livre mais à frente — tentei argumentar.

— Não dá, não, senhor. Se eu for mais perto, posso acabar não conseguindo sair, são muitas ruas fechadas.
Reclamei com o indivíduo, aleguei que a atitude era inaceitável, mas não teve jeito. Fui desovado como um cadáver desavisado numa região que poderia ser comparada ao deserto do Saara depois do anoitecer. Restou-me registrar o momento com uma foto e só existiam placas iluminadas para fotografar, foi quando captei a imagem de outro andarilho solitário, talvez, também, desovado por algum taxista.

Não me restou alternativa, eu precisava caminhar na esperança de descobrir sinais de civilização. Emparelhei o celular com os meus aparelhos auditivos e deixei que a o som do Moby servisse como bussola me guiando entre as sombras.

EXTREME WAYS

Dancinha

Esticando as pernas em passos largos, como uma avestruz fugindo de algum incógnito predador, atravessei a despovoada Esplanada do Castelo, que nos causa a ideia de ser um arremedo inóspito da Praça Vermelha de Moscou, depois segui pela Avenida Antônio Carlos, entrei pela Presidente Wilson, passei em frente à vetusta Academia Brasileira de Letras — onde saudei a estátua do finado Machado de Assis, que pareceu assustado ao me ver andando por ali, naquelas horas temíveis. Circundei a ilha verde do Passeio Público, e finalmente alcancei os mundanos Arcos da Lapa. Deparei-me com um oceano desmedido de gente. Compreendi o porquê de o taxista não ter me desembarcado naquela área.

2 – PAGÃOS

Deixei que a música continuasse inundando os meus ouvidos, me blindando dos ruídos coléricos da multidão. Fui me esgueirando entre homens e mulheres com pouca roupa, quase triturado por aquela aglomeração humana que buscava sentido para a vida em uma festa sem sentido. Acredite, leitor sem fé, eu vestia o meu tradicional uniforme escuro de caça, um corvo rompendo a massa de cores psicodélicas.

CASTING SHADOWS

Dancinha

Atente-se a esta informação, meu companheiro de jornadas, existem bares e casas de música na Lapa que atualmente ostentam mulheres de programas a procura de gringos e que até aceitam brasileiros na hora da xepa. Nisso, a Lapa guarda certa similaridade com a filosofia que imperava na extinta Help. Mapeei alguns pontos e sigo esse roteiro promíscuo quando minhas botas pisam sobre as calçadas da Avenida Mem de Sá.

Inauguro a minha peregrinação pela Rua Gomes Freire, no trecho que compõe os arredores da Rua do Rezende, já encontrei muitas meninas dos trashes ali, além de outras de categoria mais sofisticada. Há travestis na área, mas cada andarilho que busque o melhor encaixe para o próprio prazer. A presença intensa da turba em trajes que fariam corar Pedro Álvares Cabral deixava pouquíssimo espaço para a respiração, mas fui desbravando o terreno como um feroz bandeirante a procura de esmeraldas.

Como sempre ocorre, subitamente percebo uma presença que em atrai, uma presença que me pareceu familiar, uma lembrança de tempos remotos e melhores do que os atuais. Uma morena colossal, de coxas cavalares que se emendavam a uma bunda vastíssima transbordando-se em pequenas polpas de pele através do shortinho sumário que usava. Aquela bunda, não tenho dúvidas, mexe com a lei da gravidade e deve até influir nas questões climáticas do planeta.

Tive a certeza de que conhecia a mulher. Aproximei-me devagar, ela estava rodeada de outras garotas e eu ainda estava sóbrio, fator que me trava um pouco. Ao chegar mais perto, lembrei-me de quem se tratava, era a morenaça Paola, antiga funcionária do saudoso Clube 31, que ficava em uma ruela às margens da Rua do Acre. Sentindo-me intimidado pela timidez, custei a decidir abordar a mulher, mas acabei me jogando e falei com ela.

— Oi. Lembra de mim? — entrei com a canastrice.

Paola reagiu como se tivesse levado um susto, me olhou com estranheza e respondeu…

— Ai, que susto, garoto! Não, não lembro. Você é quem?

— Você não trabalhou lá na 31? — cometi a indiscrição absoluta.

— Ih, trabalhei, mas há muiiiiiiito tempo.

— Pois é, mas eu ainda me lembro de você. Ainda trabalha em algum local?

— Trabalho. Aqui — finalmente, a resposta que trouxe a esperança.

Ofereci pagar uma bebida, ela aceitou e pediu que eu pagasse também para as amigas. Fazer o quê? Paguei. Conversamos, mas ela não me abriu muito sobre os rumos que tomou após sair do Clube 31. Houve um breve momento em que me invadiu uma pequena dúvida sobre a certeza de que aquela era realmente a Paola que conheci ou se a morena estava assumindo um papel aleatório visando a um ganho em cima de mim, mas eu já estava em um caminho sem volta. Prossegui.

Sabendo que Paola estava na Lapa trabalhando, fiz uma proposta, mas ela expressou uma contraproposta, pechinchei e acertamos uma rapidinha por duzentos reais no Hotel Estadual, quase ao lado de onde estávamos. No fim, foi uma rapidinha literalmente, a menina me abocanhou num boquete sobrenatural e gozei em sua boca sem ter tocado direito nela. Estirado na cama, só tive tempo de pagar, ver a garota se vestir e me deixar no quarto como quem deixa uma vítima de assassinato.

Aproveitei para tirar um cochilo. Ao acordar, me lavei, paguei a conta e só me restou ir embora.

3 – APENAS O FIM

Avistei um táxi parado próximo ao hotel…

— Trabalhando, motorista? Me tira daqui?

— Já é. Pra onde?

Entrei no táxi, os primeiros raios do Sol buscavam as criaturas da noite com ânsia de incinerá-las.

— Toca pra bucólica Tijuca — ordenei.

Amanhecia na velocidade dos pneus, mas o amanhecer é somente o prefácio dos homens comuns. O libertino é um navegante a bordo de um navio fantasma, persegue portos que se movem, vive quando a adrenalina pulsa. É quando anoitece que as páginas da existência revelam o clímax de todas as histórias. Um libertino nunca é luz, é sombra.

Deixei que a playlist do meu celular elegesse aleatoriamente a trilha sonora do trajeto…

FLY AWAY

Se a vida é finita, o desejo é perpétuo.

Aline

Aline

A tarde chuvosa, o cheiro de terra molhada entrando pelas janelas, a batida de E-rotic inundava os cômodos do meu imenso chalé nos alpes tijucanos e criava uma atmosfera afrodisíaca.

E-ROTIC

Dancinha

Eu me remexia dançante na cadeira do escritório enquanto fuçava o Tinder e os sites de garotas de programa. A necessidade de sentir a textura feminina me tomou de assalto, buscava uma fêmea capaz de acalmar a minha libido, as minhas fantasias. Somos vampiros que se alimentam da fricção, do choque de peles causado pelo sexo. Encontrei a eleita…

Aline é uma jovem de olhos azuis faiscantes, loira de cabelos cacheados desaguando pelas costas; um par de seios firmes, pequenos e de bicos rosados emoldurados por marcas de biquíni; pernas grossas; bunda esférica de capa de revista. Mulher de estatura média, sotaque forte de cidade de interior, tatuagens provocantes, sorriso arrebatador.

Aline é objetiva, mas educada. Para aqueles fiscais de relato que gostam de objetividade, é capaz de sofrerem ejaculação precoce pelo WhatsApp. Consegui manter o diálogo por algum tempo, colhendo todas as informações que me interessavam, até que decidi agendar. Fui agraciado pela sorte, a menina tinha horário vago. Marquei que chegasse ao final da tarde.

Dei uma arrumada na casa, preparei o quarto, foquei a meia luz, liguei o telão e deixei The Cure engatilhado com Lovesong. Tudo pronto, mandei o táxi para pegar a Aline. A menina mora perto da bucólica Tijuca, a viagem foi rápida e quando piquei os olhos ela desembarcou do carro, quase me comovi com aquela beleza ofuscante e espontânea alvorecendo diante dos meus olhos. Demos um selinho, enlaçamos as mãos e seguimos.

Ao entrarmos no salão do chalé, apertei o controle remoto em meu bolso e acionei a música na tela da TV. A melodia em alto volume nos envolveu…

LOVESONG

Dancinha

A menina gostou, rebolou o corpo e fomos dançando juntos até a alcova. Aline estava vestida em um macacão justíssimo, revelando suas curvas vertiginosas. A imagem exuberante da beldade faz um caboclo desavisado se apaixonar. Perguntei se ela bebia, se aceitava beber comigo.

— Claro — ela me responde.

Abri um Chandon (ela merecia e não tenho café nem bolo em casa), enchi duas taças e levei ao quarto. Brindamos e bebemos juntos. Na terceira dose, começou a tocar Depeche Mode com Enjoy The Silence. A perfeição existe, o momento perfeito acontecia numa alcova discreta encravada no miolo da Tijuca.

DEPECHE MODE.

Dancinha

Eu e Aline nos beijamos. Ela me oferecia a língua para que eu chupasse, uma delícia. Os corpos quentes, vivos, famintos, se esbarravam. Mãos escorriam mutuamente pelo prolongamento da pele, gemidos soavam suaves em meio ao ritmo da melodia.

Peço que a moça se deite, pego o meu aparelhinho de eletrochoque, mas antes de inseri-lo chupo o grelo em alto relevo, um grelo graúdo, vibrante. Após umedecer a área, coloco o aparelhinho sobre o clitóris e a menina se contorce em um espasmo que revela sua sensibilidade. Seus gemidos vão aumentando de intensidade no mesmo compasso em que o tesão a envolve. Ela resiste, parece não querer gozar, pede que eu meta o dedo em sua vagina, pedido que atendo imediatamente.

Aline geme mais, se contorce mais, me beija com ânsia de língua e nossas línguas se embolam em um nó cego. Ela puxa minha nuca com as mãos, quer minha boca dentro de sua boca, nos engolimos em beijos autofágicos e intermináveis. Então, subitamente, Aline grita e goza como quem se rende ao inevitável.

Agora, o som na tela vinha dos Rolling Stones com Jack Flash

JACK FLASH

Dancinha

Aline recupera o fôlego e abocanha o meu combalido pênis com os lábios, um boquete mata-leão que quase me nocauteou em poucos segundos. Chupou, chupou, chupou, incansável, insaciável. Eu dedilhava sua boceta vislumbrando sua bunda de quatro virada na direção do meu rosto. Peço que ela pare, a garota larga o meu pau, prepara o terreno e monta sobre o meu tronco, de costas para mim, e emenda em quicadas implacáveis. Acredite, forista sem fé, meu coração acelerou vendo aquelas nádegas dignas da Playboy subindo e descendo sobre o pobre Pikachu — o breve.

Tive uma alucinação antes de gozar, me vi nu no meio do Jardim Zoológico da Quinta da Boa Vista com uma Ema me encarando como se estivesse há dias sem se alimentar. Terror. Despertei do delírio quando explodi em um orgasmo fortíssimo que quase arrancou a minha uretra. Quando voltei ao mundo real, o som de The Cult tomou tudo…

HOLLOW MAN

Dancinha

Após aliviarmos as tensões, conversamos, degustamos uma pizza e um programa que era para ter sido de uma hora, estendeu-se para quase três. Sem pressa, sem pressão.

Chamei um táxi, Aline se despediu de mim com mais um beijo e o carro desapareceu no horizonte infinito do asfalto. Sozinho, retornei aos domínios do chalé, o silêncio imperava ecoando a minha respiração. Acionei o controle remoto, escolhi uma música aleatória e coloquei no volume máximo. Deixei que o ritmo embalasse o meu velho corpo. A vida pulsa, o libertino vive…

MORRISEY

Dancinha

Verena

Verena

A luz do Sol castigava a cidade, incinerava pensamentos, queimava hereges imprudentes nas esquinas vadias. Durante o dia, o Rio de Janeiro é um balneário incandescente que não consegue mais esconder sua vocação gótica. Eu detesto o Sol, detesto o calor, detesto as cores fumegantes refletidas pela areia das praias, pelo colorido deselegante das roupas. Minha alma é cinza e fria como a de um britânico exilado nestes trópicos de manadas obtusas.

Sintonizo meus aparelhos auditivos com o celular e deixo que a playlist escorra pelos meus tímpanos…

COLD EYES

Dancinha

Cold eyes… Olhos gélidos cruzavam com a minha presença excêntrica e deslocada. A luz da tarde não me reconhece, despreza personagens noturnos. Saí de um almoço na Churrascaria Carretão, na caótica Copacabana, e fui caminhar pelo calçadão. Calça comprida, camisa social, eu era um eclipse diante da solar paisagem oceânica.

Decidi entrar em um bar aleatório. Arrisquei pedir um Hi-Fi com a certeza de que o garçom não saberia do que se tratava. Enganei-me, minutos depois me chegava um copo volumoso e alaranjado, o odor do álcool me causou euforia, bebi quase todo o líquido gelado e rascante num único gole. Pedi outro, pedi um terceiro. As pupilas se dilatam, os brilhos se intensificam, a felicidade me invade como uma batida da Polícia Federal às 6h da manhã. Resistir é inútil.

Há um prazer que é mais avassalador do que as repetições insaciáveis do orgasmo, é este prazer marginal de quebrar a rotina, de se libertar dos grilhões das responsabilidades, de chutar o balde e desviar-se para si mesmo, escolher existir em um dia em que você também escolheu se reencontrar.

Comecei a fuçar o telefone, anúncio de mulheres, sites, fóruns. Foi quando a imagem inesperada atravessou minhas retinas, uma garota com tantas tatuagens que faziam dela uma galeria de arte, os olhos góticos que os meus olhos góticos imediatamente reconheceram, o rosto semelhante ao da atriz Mel Lisboa. A semelhança foi decisiva, tenho fissura pela Mel Lisboa, nem tanto por ser uma conterrânea gaúcha ou talvez por isso. É linda e Verena também me pareceu linda.

Fiz contato e o destino se mostrou favorável. Verena foi atenciosa, a agenda me agraciou com um horário disponível, marquei em um hotel. Paguei a conta do bar, gritei evoé para as ondas libidinosas da praia e entrei trôpego em um táxi.

playlist prosseguia, não escutei nem uma palavra sequer do motorista que puxava assunto. Os cenários se descortinavam na velocidade de rotação dos pneus, como filigranas de um filme de ação. O som das batidas no meu ouvido me envolvia, me embriagavam mais.

YOU PT 12

Dancinha

O corpo transpirava fetiches, meus cabelos rebelavam-se embaralhados pelo vento da orla, minha mente tentava encontrar o centro do meu próprio labirinto. O automóvel deslizava na sincronia do trânsito e tudo em volta soava irreal, impalpável. Eu me sentia à deriva diante do GPS do carro, precisei repetir o meu nome para despertar daquele torpor incômodo. Dante, meu nome é Dante.

O táxi entrou em uma garagem, desembarquei, peguei a chave na recepção e entrei no quarto lascivo com ânsia de me banhar. Foi o que fiz. Depois, deitei-me na cama e meus olhos se apagaram na falência do sono. Despertei subitamente com a campainha gritando estridente. Abri a porta…

Atordoado, jurei que era a Mel Lisboa que rompia a alcova naquele momento. Foi como se um desejo considerado impossível se realizasse. Foi necessário nos apresentarmos, conversamos um pouco para que a conexão acontecesse entre nós. Enquanto Verena despia-se, suas tatuagens surgiam como hieroglifos egípcios, erguiam-se na pele como o desafio da Esfinge de Tebas: decifra-me ou te devoro.

Acredite, forista sem fé, eu não queria decifrar nada, escolhi ser devorado.

Beijos de língua, corpos ardendo na fricção, mãos que mapeiam a geografia do outro, relevos, declives, o pênis ereto, a vagina úmida e morna. Embolados sobre o colchão, dois corpos unidos por um nó cego. Confesso a vocês, talvez pela falha causada por uma amnésia alcoólica, não sei como gozei, mas gozei. Vi a camisinha inchada do sêmen branco e reluzente envolvendo o meu membro. Esbarrei com o olhar provocante de Verena me encarando. Para mim, não era Verena, era uma desejada miragem da Mel Lisboa.

É possível que eu remarque, quero ter mais lembranças vivas de Verena. Bela, sexy e misteriosa. A sensação que ficou foi boa, muito boa. Quero voltar e sentir a pele e os lábios da musa tatuada. Após o encontro, recordo-me que anoiteci na Lapa, caminhando a esmo, entrando no restaurante Nova Capela, pedi um chope e um aperitivo. Sozinho.

Quando deixei o restaurante, a noite estava mais densa e as sombras que pairavam sobre todas as coisas insistiam em me inquirir sem trégua: decifra-me ou te devoro.

Devoraram-me.

A vida pulsa, o libertino vive…

Dominique

DOMINIQUE

“Nós somos os fogos-fátuos desta cova do infinito…”
(Antônio Nobre)

Não escrevo para analfabetos funcionais, componho algo que vai além de um mero relato mecânico narrando um pretenso sexo destituído de erotismo, insiro aqui mais do que uma crônica. No fórum, registro o meu diário mundano. Compreendo que os medíocres queiram limitar o número de linhas como quem limita o nosso relógio da vida. No fim das contas são medíocres, que pela própria natureza arrogante, veneram limitações. Nasci para romper amarras e para provocar a ira da estreita ignorância dos beócios, dos sem talento. Sábios são os que estão abertos ao aprendizado.

Emparelhei as minhas próteses auditivas com o celular e permiti que o som do The Cult se misturasse ao meu sangue, possuísse a minha alma…

THE CULT

Dancinha

A noite estava abrasadora. Eu caminhava pela convulsa Avenida Mem de Sá até a Rua do Lavradio. Atravessei multidões embriagadas, mulheres lascivas, mendigos descrentes, travestis ilusionistas e alcancei o bar onde combinei me encontrar com Dominique, uma garota de programa das antigas que conheci no apogeu da 502 e que está fazendo ponto na Up House por curta temporada. Combinamos que ela viria ao meu encontro após o término do turno na casa. Tratos com mulheres da vida são sempre incertos, mas tive fé.

A umidade do meu corpo contaminava a camisa com máculas de suor. Sim, eu suo afeiçoado forista, mesmo sendo uma elegante alma britânica perdida nestes trópicos de manadas obtusas. Pedi meu uísque, um Red Bull e entrei em estado de contemplação enquanto aguardava a minha lebre chegar. Foi quando The Cure estourou as minhas próteses auditivas e tocou meus tímpanos…

THE CURE

Dancinha

A música é o Sol das minhas madrugadas.

A cada nova noite demoro mais para atingir o estágio ébrio, aquele ponto em que a mente e os olhos abrem o portal para o desfile da Felicidade, essa mulher vaporosa e fugidia que nos visita somente nos momentos de êxtase espiritual.

O álcool elimina a minha noção de tempo. De repente, vejo uma morena se aproximar encaixada em um vestido de chacrete no auge do sucesso do Cassino do Chacrinha. Não fui o único a notar a súbita presença, acho que todos os homens no perímetro de um quilômetro perceberam a entrada triunfal de Dominique. Ela quis me acompanhar no uísque e no Red Bull, fechamos o valor para um período de duas horas e relaxamos um pouco antes de deixarmos o bar.

— Está de preto neste calor?! — disse Dominique.

Eu estava vestido de preto. Sou um gótico em uma cidade gótica e traiçoeira, as roupas escuras são a minha camuflagem, me tornam invisível, me fazem irmão dos fantasmas do passado que insistem em habitar o presente.

— Usar roupas escuras é o meu vício — respondi.

Paguei a conta e saímos em direção ao Hotel Estadual, na Rua do Rezende, que por algum motivo misterioso é o meu leito favorito na Lapa. No meio do trajeto, Dominique avistou um boteco lotadíssimo e quis tomar a última dose. Aceitou brindar comigo com Salinas. Comecei a me sentir como o Nicolas Cage no filme “Despedida em Las Vegas”.

Dentro do quarto, ligo o ar-condicionado e foi como se finalmente eu respirasse, como se tivessem ligado a bomba de oxigênio. O calor excessivo me faz sentir a atmosfera rarefeita. Fiquei naquele pré-orgasmo respiratório enquanto Dominique tomava um banho. De repente, sua voz me chama para me juntar a ela no chuveiro.

A água escorria sobre as nossas cabeças, as mãos surfavam buscando ondas erógenas, as bocas engoliam lábios e línguas, a saliva se perdia entre os pingos incessantes que caíam. Dominique me abraçava, me apertava contra sua pele, a textura morna da sua pele. Eu agarrava e puxava seus longos cabelos agora molhados, ela fincava as unhas em meu tórax. Meu combalido pênis ereto esbarrava em seu clitóris desprotegido, se rendendo ao prazer. Ao longe, no rádio do motel, ouvimos brotar a voz de Bon Jovi…

BON JOVI

Dancinha

A perfeição se constrói sem aviso prévio. Estávamos ali, eu e Dominique, em uma conjunção carnal que nos alienou da realidade, éramos entes ardendo na intenção de nos fundirmos, de sermos um. Corremos para a cama sem nos enxugarmos, a garota me deitou e lambeu cada milímetro da minha carcaça envelhecida.

— Adoro dar banho de gata… — ela provoca.

Será que o pênis encolhe com a idade? O meu está mais para graveto do que pau, talvez por isso Dominique tenha conseguido abocanhá-lo inteiro, sem dificuldades. E me chupou com arte, com dedicação. Ao perceber que o meu membro pulsava mais forte, veio por cima e sentou-se sobre ele. Rebolou devagar, como se quisesse encaixá-lo mais profundamente dentro de sua vagina, esfregava forte em cima da minha virilha, numa fricção que ameaçava gerar faíscas. Começou a gemer alto, gritar, dizer que estava gozando. Gozei junto…

O rádio do motel arrematou o fim do coito…

EARNED IT

Dancinha

Dominique adormeceu sobre o meu peito. Paguei o pernoite para que ela pudesse continuar dormindo e nos despedimos com um beijo. Na rua, o céu ameaçava acender-se. Entrei em um táxi e pedi que o motorista me levasse à Praça Xavier de Brito, na bucólica Tijuca.

Pela janela do carro, os cenários passavam mais rápido do que a passagem do tempo. Os pneus avançavam por ruas desertas, se embrenhavam por entre prédios e ruínas da cidade decadente, o asfalto se desenrolava para o infinito. Senti a euforia da minha solidão. A voz de Bono Vox emergiu na cabine. A vida pulsa, o libertino vive. Adormeci e não sonhei…

U2

Girl9

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Cássia

CÁSSIA

O Tinder não é mais um aplicativo de relacionamentos afetivos, se tornou um canal de relações financeiras. São garotas querendo fazer programas sexuais, mas sem se assumirem como garotas de programa. Interessante, no entanto, é que tem sido o veículo onde venho encontrando as periguetes mais bonitas do ramo.

Semana passada estive com uma delas pessoalmente, apresentou-se como Cássia, me enviou fotos e vi que era uma dessas mulheres para assumirmos matrimônio na Igreja da Candelária. Compartilhei as fotos com alguns camaradas, todos se impressionaram com a estampa da menina.

Após um match, começamos a conversar pelo WhatsApp e creio que demorei três semanas para marcar o encontro. Cássia cobra 400 pilas a hora, mas pechinchei e saiu por 300. Avisou-me não controlar o tempo e pude constatar que realmente não controla, o esfrega fluiu sem cronômetro, o que dá a moça um selo de bom custo e benefício.

Marcamos na última sexta-feira, mandei o Uber (pago pelo cliente) e ela aportou na Praça Xavier de Brito, na bucólica Tijuca, com a pontualidade britânica que eu idolatro. Houve um breve percalço, um desencontro momentâneo. Ao chegar ao meu endereço, Cássia não me avisou e se dirigiu direto ao porteiro pedindo para me chamar pelo Interfone, mas entrou no numeral errado, não era o meu chalé.

“Você é um cachorro, me passou trote, me mandou para um endereço errado” — a mensagem pelo zap veio com ira e não entendi nada.

“Onde você está?” — Perguntei.

“Estou na praça que você mandou me deixar, no número X” — responde.

NO CHALÉ

Esclarecida a situação, fizemos piada e finalmente Cássia entrou no meu chalé nos alpes Tijucanos. Ela veio vestida com uma bermuda jeans justinha e uma blusa altamente decotada que revelava o par de seios suculentos e firmes que ela sustenta. Coxas grossas, sorriso arrebatador, lábios carnudos, barriguinha sarada, toda bem cuidada nos seus 1,70m de altura.

Entramos na minha suíte master e peço logo que ela tire a roupa, me atendeu prontamente. Que corpaço, que seios, que bunda, a vagina lisa e delicada parecia me intimar para um beijo. Fiz a pré-entrevista antes do agendamento e parti para os óculos gulosos que aprecio tanto, Cássia não refugou, meu deu a língua, a úvula, a traqueia, o esôfago, acho que por pouco não alcancei o seu intestino, de tão profunda que foi a osculação.

Deitamo-nos e os amassos prosseguiram. Roçadas perigosíssimas, glande roçando no clitóris, corpos em fricção, éramos dois cabos de alta tensão gerando choques intensos a cada novo impacto. Cássia geme baixinho, gostoso, um gemido sincero, transbordando tesão.

Ela inverte a posição, abocanha o meu combalido pênis e aplica uma masturbação engolindo meu pau (ou graveto, como preferirem) e percebo que eu iria gozar em segundos. Interrompi o boquete.

Pedi que Cássia ficasse de quatro. Que paisagem. O tobogã erótico que se descortinou para os meus olhos deveria ser decretado como uma das maravilhas do mundo. As costas arqueadas, a bunda empinada e a vagina sorrindo, ansiosa por me receber em seus domínios. Eu permaneci ajoelhado, pois somente ajoelhados é que devemos comer as melhores fêmeas. Penetrei com força, antes que o encanto da ereção se desfizesse, estoquei com ritmo, o som das batidas da minha virilha em sua bunda ecoava na suíte. Senti as ondas vulcânicas se avolumarem. Parei. Deitei-me novamente e pedi que a garota me chupasse. Ejaculei toda a minha carga genética, do útero á velhice. Sucumbi no colchão.

Namoramos mais, conversamos e preferi liberar a menina, que não dava sinais de querer ir embora. Acertei a conta, pedi o Uber e adeus.

Como eu disse, trata-se de uma mulher do Tinder, aviso isso antes que o Forista de Sapatilha ou o Sindicato da Confeitaria venham me pedir o telefone. Não tem como. Comentei sobre o fórum, mostrei o Arena, mas ela não consentiu em ser cadastrada no momento. Torço para que eu possa compartilhá-la com os camaradas futuramente. Por agora, aconselho que vocês façam como eu, tentem o Tinder, pois as repetições e reprises do fórum já estão tediosas. Fiz até a assinatura Platium, tamanho o sucesso que estou conseguindo alcançar.

A vida pulsa, o libertino vive. 

:dancinha:

Ingrid

INGRID

Os pneus do Sucatão giravam indomáveis sobre asfalto selvagem da Avenida Presidente Dutra, o relógio do carro anunciava um pouco mais de nove horas da noite, um turno ameno diante dos meus extravagantes hábitos noturnos.

A bússola apontava na direção de Nova Iguaçu, mais especificamente para um bairro chamado Cabuçu. Há muitos anos tive um prolongado affair com uma conhecida garota de programa da região que possui relatos no fórum, não foi das minhas melhores experiências no quesito relacionamento afetivo, mas isso não é incomum quando falamos desse perfil de mulheres.

Não gosto de dirigir à noite, pois costumo beber, além me obrigar a usar óculos, algo que detesto. Há pontos da Dutra que são mergulhos nas trevas, o farol do Sucatão tentava focar na pista. Na altura de uma entrada chamada “Rosa dos Ventos”, embicamos e ganhamos a famigerada Estrada da Palhada. O percurso é longo, cansativo, uma viagem, mas a vida pulsa e o libertino vive.

Desde que parei de ir à longínqua Nova Iguaçu, mantive contato com uma personagem que atua praticamente como cafetina na região, usa a alcunha de Fafí. Há dias atrás ela me indicou uma coroa portentosa, me enviou fotos e fiquei muito impressionado com a aparência e com o porte da fêmea madura. Bonita, cabelos longos, bronzeada, com um corpo trabalhado em academia. Fafí me colocou em contato com a veterana sabendo que o exemplar me agradaria.

Informou-me o valor do encontro, não citou restrições sexuais, mas informou que eu precisaria pegá-la na Praça de Cabuçu, numa das noites em que fica por lá para fazer a “correria” — palavras dela. Aceitei, marcamos e me vi percorrendo a Dutra, Estrada da Palhada e Estrada de Madureira, a última fase antes de alcançar as coordenadas onde combinei buscá-la. Seu nome é Ingrid.

O cenário do trajeto é árido, expõe a pobreza e a desolação da Baixada Fluminense. Casas com tijolos visíveis, cachorros magros perambulando pelas ruas, vans em alta velocidade, biroscas espalhadas pelas vias como cactos no deserto. Há muitos anos que eu não transitava naquele território, pouca coisa mudou, além das veias da penúria que saltavam mais aparentes.

O bairro de Jardim Cabuçu, em Nova Iguaçu, tem uma atmosfera de cidade do interior. Excetuando-se a violência vigente, é um lugar de caráter acolhedor. A praça estava iluminada, os bares no seu entorno fremiam pela sede do álcool, barracas de churrasquinho exalavam o aroma da carne suspeita. O brilho dos faróis do Sucatão denunciava a poeira que pairava incessante ao redor. Estacionei e fui em busca de Ingrid, que me disse ficar na frente de uma pizzaria.

Não foi difícil avistá-la, eu a reconheci pelo viço dos longos cabelos, trajada com um vestido justíssimo e curto, suas pernas morenas revelavam a leve penugem loira e reluzente que recobriam a pele. Ingrid é uma mulher afrodisíaca, foi como a defini. É impossível vê-la e não sentir a ferocidade da nossa libido mais primitiva. Simpática, levantou-se quando me viu, me abraçou e ofereceu um selinho com seus lábios de um rubro lascivo.

Ingrid bebia cerveja, acompanhei. Conversamos, cogitei levá-la para o motel Medieval, mas a rota seria complexa, terminamos escolhendo o motel Vênus, onde chegaríamos seguindo somente uma reta. Alta, graúda, é aquele tipo de mulher que chamamos de gostosa. Eu estava excitado, ansioso, queria ver aquele corpo nu. Paguei a conta do bar, entramos no Sucatão e seguimos para a alcova.

Dentro do carro, Ingrid leva a mão sobre a minha perna, desliza até o meu combalido pênis oculto e aperta.

— Quero ver essa pica bem dura — diz sem filtro.

Ficou óbvio que a mulher fazia o tipo escrachada. Não escolhe palavras, é direta e crua. Sabia usar a vulgaridade a seu favor. Na garagem do motel, avanço para beijá-la, ela não refuga, alisa a minha nuca com uma das mãos, puxa minha cabeça como se quisesse me afogar em sua boca. Seria uma boa morte, mas sobrevivi.

Finalmente, no quarto, ela se despe e o que vejo é um corpo descomunal. Seios siliconados, pernas torneadas, barriga com gominhos de malhação, o corpo todo recoberto por leves pelos aloirados, boceta lisa e com uma tatuagem intrigante acima do clitóris: um semáforo com sinal verde.

Ingrid ajeita o celular na cabeceira da cama e deixa vazar sua playlist que declara a preferência por funk…

AVENTURA NOTURNA

Dancinha

Atracamo-nos como feras famintas na selva. Beijos, línguas, roçadas em alta tensão, mãos que se apalpavam, se apertavam, se tocavam como cegos que se liam em braile. Ingrid se deitou e pousei por cima do seu corpo, mamei os seios volumosos e duros, arrastei meu pau sobre a vagina e tive a nítida impressão de ouvi-la sussurrar aos meus ouvidos para que eu a penetrasse ao natural, mas as regras do fórum impedem confissões sinceras. Ela saltou subitamente, veio por cima e sentou-se sobre o látex que isolava o meu combalido pênis do pecado original. Ingrid quicou sobre a minha virilha, quicou muito, quicou com força incansável. Quase indo a nocaute, pedi que parasse.

A mulher libertou meu pau e embarcou no boquete. Engolia inteiro o meu modesto graveto, senti minha glande tocando na parede da garganta. A boca quente, os lábios firmes, os movimentos ritmados… ejaculei chantili, sonhos, brioches e tortas alemãs. Ingrid engoliu como quem saboreia um café expresso.

Acertei o pagamento e devolvi a moça à Praça de Cabuçu. Eu me sentia anestesiado, mas precisava cumprir o comprido retorno à bucólica Tijuca. Insiro um CD aleatório no aparelho de som e permito que a música force meus pés sobre o acelerador…

PSYCHO KILLER

Dancinha

Embalado pelo som de Talking Heads, o Sucatão desbravava o negrume do asfalto como uma nave querendo compreender o infinito. E o infinito indevassável nos rodeava num céu estrelado sobre a Avenida Presidente Dutra. Na escuridão da pista, os faróis mal conseguiam desvendar o que vinha pela frente, tudo era infinito, eu era o infinito.

A vida pulsa, o libertino vive… 

Dancinha

Ebony

EBONY

APOCALIPSE

Envelhecer me incomoda. Infelizmente, só descobrimos os efeitos psicológicos e físicos do envelhecimento quando alcançamos esse patamar. A juventude e a jornada até os quarenta anos nos blindam com uma arrogância intrínseca que serve de muro para que não avistemos o que há do outro lado.

Sempre fui crítico e autocrítico, atualmente sou muito mais. Uma pessoa crítica precisa estar atenta para não resvalar em direção aos preconceitos. Ao mesmo tempo, não consigo me libertar do senso de ridículo. Jamais serei um desses velhotes exibindo-se sem camisa, ansioso por ostentar o corpo enrugado tal qual uma vedete de teatro de revista. Não vou por aí, não me atrevo a expor as minhas protuberâncias adiposas e, mesmo que eu fosse um Schwarzenegger, não cometeria esse delito que só cabe aos pavões que nascem com a genética do espalhafato. Carrego a alma de um britânico discreto perdido nestes trópicos de manadas obtusas.

A questão é que a velhice, além da degradação física, nos empurra para um exílio involuntário. Existe uma contradição que se impõe com o avançar da idade, é quando o corpo definha e a mente remoça. Não nos sentimos velhos, mas somos. Mesmo o espelho nos mente com a ilusão de que não estamos tão mal assim. Queremos mentir para nós mesmos e não conseguimos.

Mulheres jovens começam a nos olhar mais com repulsa do que com desejo. Fica estranho entrarmos em determinados locais onde só o fulgor da juventude frequenta. Dizer eu te amo soa como um tango composto por algum argentino cafona. Um velho é aquele que caminha às margens do precipício sabendo que em algum momento imprevisto terá que saltar. Envelhecer é ganhar a consciência da finitude de muitos aspectos da vida.

INSURGENTE

Tornei-me um velho com senso de ridículo extremo. Ao mesmo tempo, em contradição com a minha essência discreta, carrego um DNA gaúcho que me faz um insurgente. Tenho preferência por mulheres jovens, frequento lugares de jovens, não me importo de me sentar sozinho em qualquer que seja o lugar, não fico deprimido bebendo sem companhia e sou tomado por ondas de euforia quando estou só. Nunca serei um desses idosos que se sentem solitários, pois sou apaixonado pelo flerte com meus próprios pensamentos.

Eu estava ensopado de todas essas reflexões quando uma música emergiu de um boteco, tocou meus tímpanos e me arremessou bruscamente ao passado, ao meu auge, me vi flanando no imaginário da década de 80.

CARELESS WHISPER

INTERSEÇÃO TEMPORAL

A pior doença da meia idade é a nostalgia.

O relógio marcava quase duas horas da madrugada quando pisei com minhas botas sobre a pista da Rua Ceará. A região estava escura, sombria, mais do que o habitual. Nesta época em que celebramos as luzes, lugares como a Vila Mimosa se alimentam da luz da mesma forma que buracos negros espalhados pelo universo.

Se há um ponto geográfico na cidade que me viu jovem e agora me vê em decomposição é a Vila Mimosa, é a minha interseção temporal. Eu a conheci ainda no Estácio, como a última resistência da Zona do Mangue, estravamos nela por uma rua chamada Miguel de Frias, que foi extinta pelas obras do metrô. Era literalmente uma vila, quando ainda labutavam muitas prostitutas das antigas. Foi lá que degustei uma das loiras mais fabulosas que conheci.

No segundo dia de 2024, pois na madrugada já se erguia o dia dois, a zona estava deserta. Eu podia ouvir o estalar dos meus passos reverberando no silêncio que devorava os arredores da Rua Sotero Reis. Dentro da Vila transitavam algumas mulheres e uns poucos homens perdidos, mais perdidos do que as mulheres perdidas.

Para frear a melancolia que aquele cenário causava, emparelhei o meu celular com os aparelhos auditivos e deixei que a adrenalina do Captain Hollywood Project, com Impossible, me impulsionasse pelos corredores da luxúria. A música é a minha companheira na noite. Noite sem música é mulher mutilada.

IMPOSSIBLE

Sentei-me no bar de uma das casas que estavam abertas, pedi uma bebida qualquer e entrei no meu habitual estado de contemplação. Não sei por quanto tempo fiquei bebendo, o sentido das horas despareceu até que surgisse a mulher que eu possuiria naquela noite.

EBONY

Negra, com uma bunda vastíssima, cinturinha de pilão, um rosto de traços finos, bonita e exótica em comum acordo. Apresentou-se como Ebony, disse ser o seu nome verdadeiro, explicou que a mãe é fã de Paul McCartney. A vida é incrível, ainda me surpreende com essas histórias romanescas.

A Vila Mimosa é um lugar que passei a renegar, a prometer que nunca mais irei, mas acabo cedendo e volto a pisar sobre os paralelepípedos libidinosos. Não consigo mais fazer sexo naquelas alcovas insalubres, mas combinei com Ebony um boquete completo, ela não expressou restrições. Trancamo-nos num dos buracos lúbricos da casa.

Acertei na escolha, Ebony me arrebatou com um boquete quase sobrenatural. Senti como se o meu combalido pênis estivesse mergulhado em uma chaleira de água quente, ao mesmo tempo em que me relaxou, senti as ondas vulcânicas do orgasmo se manifestarem rápido. Gozei hectolitros na boca da menina, que engoliu tudo e ainda lambeu os lábios. Em menos de quinze minutos eu estava de volta aos paralelepípedos. Percebi que o céu ganhava um tom sutil de claridade.

Caminhei para o Sucatão, acionei o motor, introduzi um CD aleatório e deixei que a música inundasse a cabine do carro.

I’M GOOD

O ano de 2024 é uma combinação de números que me remete aos filmes de ficção científica. Não importa, enquanto os pneus do meu velho automóvel rangiam sobre o negrume do asfalto, eu mandava um recado para o tempo: Dante is alive.

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Hot Girl From Bangu

Hot Girl from Bangu

PRAZER EM CONHECER

Chamam-me Dante, um gaúcho que cresceu carioca e que se sente um britânico exilado nestes trópicos de manadas obtusas. Durante o dia, acossado pela luz solar, sou um operário da educação, um professor dirigindo uma escola, que também se divide em jornalista; um insuspeito cidadão de múltiplas faces, no entanto, jamais um cidadão de bem. É à noite que o meu alterego emerge, é quando visto os meus trajes escuros, enfrento a insônia crônica e invado as obscuras madrugadas góticas do Rio de Janeiro como quem penetra no êxtase libidinoso de uma mulher.

Insiro um pen drive no aparelho de som do Sucatão, deixo que a música transborde na cabine do carro e faça a trilha sonora do percurso.

UNLIMITED

Sim, sou viciado, condenado a provocar situações que inundem o meu sangue de adrenalina. Sou um intrépido senhor grisalho caminhando para o horizonte abissal da velhice, mas sou um Highlander, e um Highlander só morre se lhe cortam a cabeça. Desfruto dessa breve passagem terrestre como um libertino e um libertino somente fenece se lhe quebram a espada. Sou profano, um ousado, porque a vida favorece os ousados.

Adormeci sobre as páginas estudando gramáticas, li uma imensa biblioteca, aprendi a escrever, assimilei um estilo, tudo para ser capaz de compor este diário. Sou assíduo frequentador da Academia Brasileira de Letras, amigo de alguns dos verdadeiros imortais e nesse círculo restrito uso o meu nome de batismo, um nome que não parece mais ser o meu. É na madrugada que me sinto vivo, é como Dante que existo.

O preço da esmagadora liberdade onde habito é a solidão. Pior do que isso, o custo da perigosa liberdade que adotei é a paixão incondicional pela solidão. Sou rigoroso na seleção dos amigos e por estar imbuído de um amor por mim mesmo, raramente me apaixono, mas gosto de fingir que me apaixono. O coração, este obsoleto símbolo romântico, precisa ser alimentado com pequenas faíscas de mentiras sinceras.

MATCH

O celular apita, o Tinder me notifica que dei um match. Um match. Deslizo os dedos, entro no aplicativo e me deparo com a foto de uma jovem morena de cabelos longos, sorriso Colgate, olhos brilhantes e um corpo sinuoso que se exibe em poses impudicas de biquíni. Envio a primeira mensagem…

“Você tem zap?”

Alguns poucos minutos se passam e ela me responde com um número. Adiciono à lista de contatos e a chamo. Não foi necessário muito tempo para que eu descobrisse que havia esbarrado com outra garota de programa muito mais a procura do dinheiro do que da alma gêmea.

Laís o seu nome, trabalhou em um bordel do Centro da Cidade e agora faz ponto nos fins de semana na localidade chamada Ponto Chic, em Padre Miguel. Ela combinou de me encontrar em um dos bares que costuma pousar como isca para homens desejosos de sexo.

Em alta velocidade, o Sucatão sobrevoou o asfalto noturno da Avenida Brasil. Na altura de Deodoro, o cheiro do mato molhado me arremessou para um passado em que eu ainda me apaixonava, quando vivi um tórrido romance com uma dissimulada de Bangu. O GPS tagarelava como bussola desgovernada interrompendo meus devaneios, continuei na rota informada por Laís.

Desconheço os detalhes de como alcancei o Ponto Chic. Lembro-me de que na altura do motel Top-Kap, me embrenhei por ruelas estreitas, semelhantes às trilhas de comunidade e desemboquei em uma ampla praça. Preferi deixar o carro e prosseguir a pé pelo restante do percurso indicado no mapa.

Minhas botas crispavam sobre os caminhos tortuosos. Subitamente, me vi no meio de uma multidão, música alta, pagode, samba. Para me livrar do conflito sonoro daquelas vulgares melodias, emparelhei o aparelho auditivo com o celular e evoquei Annie Lennox.

SWEET DREAMS

“Eu viajei o mundo e os sete mares… Todo mundo está à procura de algo…”

A voz metálica da loira andrógena me resgatou. Ao longe, avistei o letreiro do bar onde Laís disse que me esperava. Apressei o passo. O primeiro impacto me revelou uma garota mais atraente do que nas fotos, charmosa, exibia uma feminilidade afrodisíaca. Sentei-me ao seu lado, pedi um uísque, ela segurava uma taça de gim, a impressão que tenho é de que hoje todas as mulheres bebem gim.

Outras meninas estavam próximas, todas profissionais do sexo fazendo bico na região. Reconheci uma com quem saí há muitos anos, de nome Mariana, uma mulata que labutou no antigo Clube 47 na Praça da Bandeira. Mariana estava diferente, gordinha, carcomida pelo tempo. O papo com Laís foi breve, confirmamos o valor combinado, a moça disse que não precisaríamos ir para um motel, que poderíamos ir para sua casa, próxima dali. A proposta causou-me desconfiança, mas por comodidade decidi aceitar.

ERÓTICA

Laís me conduziu a um tipo de vila, um terreno compartilhado entre diversas residências. Entrei na casa da garota, tudo com aspecto simples e organizado. Levou-me para o quarto com ar-condicionado, a cama de casal em madeira cercava-se por duas mesas de cabeceira que ostentavam abajures emitindo meia luz.

Laís deixou cair a roupa e conseguiu me impressionar, comecei a me convencer de que a viagem se justificou. Aproximou-se e me despiu, nos beijamos, beijo bom, com saliva, língua e entrega. Enquanto me beijava, tocou no meu pau, segurou, ensaiou me masturbar.

Deitou-se na cama e quis que eu possuísse o seu corpo. Coloquei meus joelhos sobre o colchão, posicionei-me para mergulhar sobre Laís e um estalo forte cortou o silêncio, o estrado caiu sob o meu peso. Fomos ao chão.

O imprevisto cortou momentaneamente a onda de volúpia, mas Laís se mostrou gentil e hábil em contornar o acidente. Voltou a me beijar, me fez um boquete em que a língua deslizava sobre o meu pau como se lambesse um sorvete e a boca o engolia a cada espasmo de endurecimento. Corri o risco de gozar antes do coito.

Laís fica de quatro sobre um puff e pede que eu a penetre. A bunda exuberante empinava-se para me receber, ingressei naquela cavidade úmida e morna com a ânsia do orgasmo. Muito excitado, foram poucas as estocadas, gozei com o corpo da menina estremecendo e desequilibrando-se por cima da pequena almofada.

Pagamento feito, retorno ao Sucatão atravessando novamente a muvuca pagodeira. Entro no carro, giro a chave, acelero e os pneus chispam. Ligo o aparelho de som e permito que qualquer música me abrace. A penumbra da Avenida Brasil envolve o asfalto e diante da pista traiçoeira tenho certeza de que a jornada ainda não terminou.

GOT TO GET IT

Sem bússola

Sem bússola

VIGÍLIA

A insônia vem acompanhada de ondas de ansiedade, me vejo lançado às ruas na intenção de desviar o foco da falta de sono e encontrar alguma diversão que me relaxe os sentidos. Talvez a razão da insônia crônica seja esta, o meu vício em adrenalina.

Já comentei, detesto dirigir à noite. Por insistir em beber quando saio, é raro que me arrisque a pegar o carro para um rolé. Ontem, no entanto, foi diferente. A mesma insônia noturna, a mesma ansiedade súbita, olhei para o relógio e marcava quase duas da madrugada, fui até a garagem, acionei o Sucatão, o motor roncou preguiçosamente alto e emergi sobre o negrume do asfalto.

EASY RIDER

Há um prazer em dirigir pela madrugada, o silêncio de mar aberto, o vácuo urbano de pessoas revelando detalhes dos cenários sombrios, figuras bizarras vagando camufladas pelas calçadas desertas e temerosas. O medo é o fantasma que assombra muitos bairros no Rio.

Consumido pelo tédio (ando com saudade de me apaixonar), tenho alternado entre as mulheres de cativeiro e as selvagens. Exausto de circular pelos mesmos lugares, rumei para Vila Isabel, atravessei o Túnel Noel Rosa, segui pela 24 de maio, Todos os Santos, Rua Piauí e desemboquei na Avenida Dom Hélder Câmara (a eterna Suburbana).

Bons tempos quando havia o Sambola; a boate Blue Garden, casa em que virei muitas noites de azaração, na altura de Pilares, próxima ao Norte Shopping, onde agora se ergue um condomínio enorme ao lado da bandeira do McDonald’s. Existia toda uma vida que hoje foi soterrada pelo nada. Quem sabe, em um futuro distópico, algum intrépido arqueólogo encontrará vestígios da minha breve passagem por aquela região.

Fui subindo pela avenida, alcancei o viaduto que cai em Cascadura, passei em frente ao Motel Classic, retornei pela Ernani Cardoso, cruzei com o Supermercado Guanabara (onde avistei entidades andróginas) e prossegui como o Capitão Ahab caçando Moby Dick. Não sei dizer exatamente até que ponto cheguei desperdiçando combustível, mas em um novo retorno, passando pelos arredores da esquina da Rua Cachambi, vejo um grupo de mulheres que se assemelhava a um arquipélago no meio do vazio de um vasto oceano. Admito, fiquei surpreso. Por que aquelas mulheres estariam ali? Seria um remoto e desconhecido ponto de mariposas?

Cruzei o local por umas três vezes, na tentativa de me certificar de que eram realmente mulheres plantadas naquele território, pois a região foge aos limites dos meus mapas cartográficos e desconheço as nativas daquelas paragens. No vai e vem com o Sucatão, avisto uma morena de sorriso faceiro, um rascunho da Kelly LeBrock, cabelos ondulados, encaixada em um vestido vermelho decotado e curto, estava encostada em um pequeno poste que sustentava a placa com o nome das ruas que formavam interseção.

Não é incomum eu ficar hesitante em me aproximar de mulheres em pontos de rua, mas a garota me pareceu atraente. Manobrei o carro e aportei perto dela.

— Oi, meu bem — ela me saúda com essa expressão odiosa que deve fazer parte do vocabulário profissional das putas.

— Como eu faço para ficar com você? — fui direto ao assunto.

—  $$$ o boquete e $$$ o programa.

Perguntei alguns detalhes adicionais sobre o desempenho sexual e ela me respondeu positivamente a todos os questionamentos.

— E para onde podemos ir no caso do programa? — inquiri.

— Aqui no Cartago,

Sinceramente, não me lembrava do Cartago nem que ele se localizava naquela área, saber disso me fez entender a presença do bando mulheres à toa naquela esquina. Aceitei os termos e autorizei que a moça entrasse no carro.

— Qual seu nome?

— Nádia. E o seu?

— Dante, me chamo Dante.

O COITO

Adentrei pela Rua Cachambi e entrei no Cartago. Como pretendia beber, peguei o apartamento pelo período de 12 horas, me programando para sair somente quando amanhecesse. Dentro do quarto, a menina se adianta para ligar o rádio e a música invade a alcova com a força de uma piada de mal gosto.

LOVE IS IN THE AIR

Loves is in the air... foi a trilha sonora que o motel me ofereceu como fundo musical do encontro com uma garota de rua. A guria aumentou o som, ensaiou uns passinhos e perguntou-me se podia pegar uma bebida. É do jogo.

A tal “uma bebida” se transformou em quatro Ices e uma garrafa de Gim. Comecei a contabilizar o prejuízo na calculadora do celular. A mulher era uma esponja.

Finalmente, após conversas e leves sarradas, ela veio para o ataque me tascando um beijo de língua que me desentupiu a traqueia. Beijo bonzão. Nua, Nádia se deitou e me chamou para ir por cima. O pau roçava suavemente em sua boceta enquanto continuávamos nos beijando, a menina gemia, baixo perto do meu ouvido, sussurrava palavras ininteligíveis e arranhava as minhas costas.

Pedi que ela ficasse de quatro, plastifiquei o Pikachu e penetrei lentamente na vagina úmida e morna de Nádia. Comecei a estocar e, de repente, fui acometido por uma cãibra implacável. Retirei o pau e caí me contorcendo sobre o colchão em movimentos epiléticos. Acho que a garota pensou que eu estava infartando, ficou lívida, de olhos arregalados, me encarando. Se dependesse de pedir socorro, eu teria falecido debaixo daquele olhar vítreo e inerte.

Recuperado, expliquei a causa da dor. Dona de alguma compaixão, Nádia voltou a se esfregar em mim, montou sobre a minha castigada carcaça, reencapou Pikachu e o introduziu em sua vagina. Ela não quicou, se limitava a roçar com força e rebolar por cima da minha virilha. Tinha um jeito gostoso de fazer, não demorou para que eu ejetasse os meus maratonistas genéticos no saco de látex. Gozo forte.

Paguei à jovem, ela se retirou e adormeci no quarto do motel. Aos primeiros sinais do dia, entrei no Sucatão e ganhamos a pista. O Sol bateu no meu rosto como se me cumprimentasse após uma longa ausência, o céu desabava em um azul opressor, o capô brilhava refletindo a claridade. Liguei o rádio e deixei a melodia transbordar na cabine do carro…

BEAUTIFUL DAY

Num arrebatamento de euforia, gritei em coro com o U2:

It’s a beautiful day
Don’t let it get away…

Dancinha

A orgia perpétua

A orgia perpétua

O BAR

Sábado, quando a vida acontece… Não me perguntem o porquê, relevem o meu tom repetitivo, mas eu adoro aquela parte remota da Lapa, próxima a Praça da Cruz Vermelha. Quando o Bar das Quengas acabou, senti o vácuo de perder o pouso favorito. Quando reinauguraram com o nome de Boteco Bacurau, corri de volta à toca do lobo.

É um ritual. Escolho a mesa mais discreta, sento-me, peço o meu uísque e entro no modo contemplação. É o ponto de partida, o lugar onde sinto a temperatura da noite, onde me enveneno com doses ilimitadas de álcool. O único porém do meu hábito de beber nos fins de semana é que saio sem o Sucatão. O prevenido vale por dois.

Quando alcanço o grau em que o mundo ao redor começa a brilhar mais forte, quando sinto aquela euforia clandestina me invadindo vaporosa como uma fêmea no cio que chega para me arrebatar, quando me vem a vontade de dançar ao ritmo da música que vaza dos meus aparelhos auditivos conectados ao celular, quando tudo isso acontece na sincronia inevitável do ébrio, é a hora em que me levanto e sigo em alguma direção aleatória.

Estranho foi pagar a conta, me erguer da mesa e no mesmo instante a melodia de Billy Idol transbordar para os meus tímpanos…

BILLY IDOL

Acredite, forista sem fé. Senti um tipo de elevação espiritual que já não experimento na mesma constância em que sentia na juventude. Foi quando uma ideia imprudente me tocou o pensamento. Decidi ir sozinho ao swing do Mistura Certa, pois as boas companhias femininas estão raras e inconstantes para essa modalidade mundana.

VIA CRUCIS

A parte remota da Lapa não é para qualquer um, é para os ousados. As ruas são mais desertas, seres estranhos cortam nosso caminho, a Praça da Cruz Vermelha é uma colônia de miseráveis indigentes e a Rua 20 de Abril, onde está o swing, é tenebrosa. O velho puteiro que ficava ali aberto dia e noite, na esquina com Rua do Senado, o bom Feitiço do Tempo, acabou.

Há os suspiros de outras eras que emanam da carcomida casa onde nasceu o Barão do Rio Branco, hoje profanada e em ruínas como todo o resto do Centro da Cidade.

Já citei em outros relatos, não sou corajoso, sou abusado. Ando com o cu na mão por essas vias apartadas da existência, mas também sou alimentado pela adrenalina, o único antídoto para o tédio irreparável que a idade e as vivências excessivas me trouxeram.

Cheguei ileso ao Mistura Certa, mesmo com o caminhar tortuoso do ébrio. Na recepção, pergunto se posso entrar como solteiro. A resposta positiva veio acompanhada do valor para a permissão: 270 reais.

ORGIA PERPÉTUA

Hesitei. O preço excessivo quase me fez ficar sóbrio. Tudo bem, a vida é uma só e eu já estou velho para cacete. Aceitei. Foi a primeira vez que escolhi entrar no swing sozinho. Posso dizer que também foi a última vez que fiz isso.

O Mistura Certa é animado nos fins de semana. A casa estava repleta de casais e alguns solitários como eu. Não posso negar, me invadiu uma incômoda melancolia por estar sem um par naquela noite. A boate é bonita, como já me referi em outros relatos. Assim como o atendimento é satisfatório. Vi uma mulher colossal vestida com um uniforme branco, fiquei na dúvida se era a massagista das noites de sábado, mas a preguiça de perguntar superou a curiosidade. Talvez, tivesse sido a salvação da noite.

Pedi mais umas doses de uísque, foi a única maneira de contornar a depressão causada pela escolha que fiz. Em determinado horário, fui em direção ao labirinto e vaguei pelos corredores. Imagine, afeiçoado, um senhor barrigudinho esperando o milagre de ser assediado por alguma mulher presente. Na cama coletiva, a suruba rolava solta. Um pouco zonzo, aproveitei para sentar-me numa das extremidades mais reservadas do colchão, não reparei o casal que trepava eufórico perto dali.

Subitamente, senti uma fisgada na virilha e percebi a mão que pegava meu pau com brutalidade. Girei o pescoço para ver de onde partia o ataque. Perdoem-me pelo que irei dizer, não gosto de retratar ninguém desse jeito, mas era uma mulher pavorosa, carrancuda, a impressão que tive é de que ela estava com uma máscara carnavalesca de Bate-Bola.

A Bate-Bola insistia em abrir o zíper da minha calça enquanto gemia no vai e vem das estocadas do homem atrás dela. Cansado, bêbado, me veio o pensamento: não tem tu, vai tu mesmo.

Afrouxei o cinto, arriei a calça e a criatura me abocanhou com a fome de uma piranha do rio São Francisco. A mulher era esquisita, mas o boquete se revelou sublime e me nocauteou em velocidade recorde. A surpresa foi que ela engoliu o meu gozo e ainda lambeu os lábios como uma canibal insatisfeita. Se tratando dela, não foi uma visão excitante, fiquei aterrorizado.

Não havendo mais o que fazer ali, desci à recepção, paguei a conta, pedi um táxi e sintonizei meus fones na música epilogal…

THE CURE

O relógio da Central do Brasil despontava embaçado para os meus olhos através da janela do táxi, os ponteiros se aproximavam das 4 da madrugada. Eu me senti sozinho, muito sozinho, mas sempre soube que esse é o preço da liberdade absoluta, é a jornada que constrói a fé em si mesmo. Navegar é preciso…

Uma noite no motel

Uma noite no motel

Quando dirijo meu fusca pelas vias noturnas evacuadas por um vírus, tenho um sentimento de irrealidade. É como se eu estivesse dentro de uma ficção científica, um remake de Blade Runner. Tudo é silêncio. Para onde estou indo? Em busca de um corpo quente que me abrigue por algum tempo, que me console da solidão inevitável. Herbie, meu fusquinha, desliza valente pelas sombras da cidade. Cavalgamos juntos, como Dom Quixote e Rocinante, em nossa busca pela Dulcineia de Toboso.

Enquanto o dia é a revelação de tudo, a noite é o segredo de todos os pecadores. Eu e Herbie estávamos sem direção. Só me vinha a mente os mesmos lugares, lugares dos quais eu já estou cansado de pisar. Lembrei-me de uma aventura antiga, quando conheci Gisa às margens da rua Monsenhor Manuel Gomes, onde fica o Cemitério do Caju (http://www.gparena.net/td-show.php?t=166). Rumei para a av. Brasil.

Quando desço do viaduto que margeia o porto e desemboca na Av. Brasil, o trânsito era inexpressivo e os ponteiros do meu relógio beiravam a madrugada. Viro à direita na rua do cemitério, mas não vejo nada. Nenhum movimento de meninas como encontrei há poucos anos. Um vácuo urbano. Não sei se algum companheiro forista percebeu, mas existe uma intensidade indescritível no entorno de uma necrópole. É a cidade dos desencarnados, dos esquecidos. O silêncio é diferente, é um silêncio que sussurra. Diferentes épocas e histórias enterradas sob a mesma terra. Cemitérios me incomodam devido a essa energia intraduzível. Não encontrei Gisa nem qualquer outra mulher. Dei meia volta e abandonei os arredores do campo-santo.

Seguimos pela Av. Brasil, eu e Herbie. Um trajeto longo em direção à Zona Oeste. O rádio ligado e transmitindo estática até que eu colocasse um CD. A música inesperada transbordou das caixas de som: Pavarotti em dupla com James Brown cantando “It’s a man’s world”.

A noite sem música é mulher mutilada. Incrível como aquele som transformou a paisagem. Apertei o acelerador, Herbie respondeu com um grito de guerra e marchou como um destemido soldado na linha de frente de uma batalha decisiva. Chegando a Padre Miguel, passamos pela enigmática Cancela Preta e nos enveredamos por uma trilha. No passado vivi ali uma pequena aventura que ficou registrada (http://www.gparena.net/td-show.php?t=1859).

Onde antes foi possível peneirar algum achado feminino, hoje só me deparei com travestis. Nada contra, mas não são a minha preferência. Frustrado, decidi fazer o retorno para o sentido Centro.

O CD continuava embalando Herbie com Amy Winehouse – Back To Black

Ninguém se sente completamente sozinho na madrugada, a própria noite é uma companhia que nos fascina. Eu e Herbie balançávamos o corpo ao ritmo da música. Não entregamos os pontos. Como a nave Enterprise, estávamos determinados a ir aonde nenhum homem jamais esteve. Quando nos aproximávamos da altura do Parque União, lembrei-me de um taxista que me disse ter visto um ponto de mariposas atrás do Motel Stop Time. Não hesitei, dobrei a direita na rua Teixeira de Castro e peguei uma rua chamada “Regeneração”, acho que entrei pelo sentido contrário do fluxo, mas era tarde, não enfrentei problemas.

Na rua Teixeira de Castro também avistei muitos travestis, pois o mundo é gay. Quando entrei na rua da Regeneração é que pude ver, finalmente, algumas mulheres degeneradas à porta de um bar, todas com copo na mão e saias quase acima da bunda. Fiz a primeira ronda de reconhecimento, pois estava em um território estranho para os meus alfarrábios geográficos. Fui e voltei umas três vezes até que avistei uma coxuda que me interessou. Hesitei em abordar porque estava em grupo e eu não tinha certeza se poderia ser uma profissional do sexo. Manobrei o fusca para dar uma rasante pelo grupo das meninas, a coxuda me encarou e deu tchauzinho. Foi a senha necessária. Parei.

— Oi, gato?

— E aí? Como faço pra ficar com você? — Prefiro ir direto ao assunto.

— Facinho. Cinquenta o boquete e oitenta o programa.

— Você vai aqui no Stop Time?

— Com certeza, gato.

Sei que alguns dos meus relatos podem parecer insólitos, afinal são poucos os que se arriscam fora dos trâmites tradicionais. Mas a vida sem riscos não é vida, é licença maternidade. Aprecio os riscos, eles me excitam. Não posso dizer a você, afeiçoado forista, que não enfrentei momentos de forte tensão por conta dos meus impulsos, mas tento ser prudente e estar preparado para os imprevistos. São ossos do ofício.

— Esta tua saia tá parecendo um fio dental — ousei expressar a piada sem graça.

Neste ponto, a menina soltou uma gargalhada aguda que quase rachou o para-brisa do carro e deve ter sido ouvida na Rodoviária Novo Rio. Aquela gargalhada sônica cortou um pouco a minha libido, mas o negócio estava fechado. Ela entrou no fusquinha e partimos para o Stop Time. A recepcionista do motel mostrou conhecer a garota, deu um sorrisinho sacana e soltou a frase:

— Vou querer comissão, heim?

A minha acompanhante novamente expeliu a gargalhada sônica, que agora deve ter sido ouvida na Ilha do Governador. Meu tesão foi pro saco depois das duas gargalhadas estridentes, mas precisei prosseguir. Peguei uma suíte simples desejando que fosse no térreo para que eu pudesse sonhar em escapar pela janela. Não dei sorte.

Dentro do quarto, a menina rapidamente tira a roupa e constatei que sua única virtude eram as coxas grossas, o resto do corpo estava mais para uma casa em ruínas. Confirmei a minha precipitação. Ela parte para cima de mim, mas não me beija, mete a mão na minha calça como quem fosse me estuprar. Eu me afastei um pouco e fui tirando a minha roupa. Quando abaixo a cueca, a menina grita.

— Ai, que fofo! Seu piru é pequeno e gordinho.

Acredite, forista sem fé. Isso nunca aconteceu comigo. Meu combalido pênis talvez nunca se recupere do trauma dessas adjetivações. A garota aponta para a cama me orientando a deitar. Obedeço na tentativa exasperada de abreviar tudo aquilo. A menina dá uma pigarreada e cai de boca. Boquete burocrático, desses que você compra em cartório. Concluí que eu não conseguiria gozar nunca. Foi quando ela tirou a boca do meu pau e ousou falar novamente.

— Ai, Nem. Muito fofinho seu piru, parece um bichinho de pelúcia — não satisfeita, gargalhou outra vez.

Meu frágil pênis estremeceu diante daquelas ondas acústicas implacáveis. Fingi que estava recebendo uma mensagem no WhatsApp e aleguei que precisava ir embora.

— Não vai gozar? — ela pergunta.

Respondi que ficava para outro dia, mas que gostei muito dela. Paguei o cachê, acertei com o motel e a deixei no mesmo ponto onde a conheci.

— Vê se volta, heim gostoso. Quero ver meu bichinho de pelúcia de novo — gargalhou.

Partimos, eu e Herbie, com receio de que aquele som histriônico pudesse nos ejetar do asfalto. O CD tocava Shape of You

Imaginei ver os primeiros raios da manhã, hora em que os notívagos se recolhem. Não duvide, estimado forista, à noite tudo é possível.

Praça Tiradentes

Praça Tiradentes

Dez horas da noite, o clima abafado me fez sentir a incômoda umidade do suor no exato momento em que eu atravessava os Arcos da Lapa, o velho Sucatão zunia seus pneus pelo asfalto do Centro. Entrei na Men de Sá e segui até um Pé-Sujo na esquina da Ubaldino Amaral, defronte a um boteco remodelado chamado Bar das Quengas. Em matéria de quengas, o bar só ficou com o nome, elas sumiram dali depois da invasão da juventude classe média e do novo visual que o bar implantou para atender o momento de modismo que assola a Lapa.

Preferi me acomodar num legítimo botequim do outro lado da rua e pedi uma Skol. A cerveja também veio suando, geladíssima. Não sei se o meu colega leitor já compartilhou da mesma sensação que constantemente me possui quando entro num Pé-Sujo. Sempre que eu paro para beber numa birosca, encontro uma atmosfera de camaradagem, uma confraternização de bêbados. É contagiante! Os botecos noturnos são templos onde quem entra não escapa de se converter à religião da boemia.

Bebo uma, bebo duas, bebo três…. Então ela chega, uma mulher que sempre me acompanha nas melhores noitadas: a felicidade artificial da cevada.

Entro no carro, ligo o rádio e está tocando “Amor meu grande amor, não chegue na hora marcada”…, era a voz da cantora e ex-musa Ângela Rô Rô.

Noite me envolvendo, Men de Sá como cenário e Ângela Rô Rô de trilha sonora, era a argila de uma nova história começando a tomar forma. A música misturada com a noite causa em mim o mesmo efeito de uma overdose de anfetamina, a adrenalina começa a bombar e eu tenho que buscar alguma ação. Ligo os motores do castigado Santana e sigo pegando a Rua do Riachuelo, dobro na Rua do Lavradio, prossigo pela Pedro I e lá está ela, decadente, mas dona de uma misteriosa majestade.

Largo do Rossio Grande, Campo dos Ciganos, Campo da Lampadosa, Campo do Pelé, Praça da Constituição etc. Todas essas designações foram a origem de um nome que equivalia ao sinônimo de Noite Boêmia: Praça Tiradentes. Há tempos eu não passava por ali e me detinha na sedução inexplicável que paira sobre toda aquela decadência. É impressionante!

O triste é ver a Praça cercada por aquelas horríveis grades verdes. Toda Praça cercada vira um tipo de gaiola vazia, as Praças nasceram para serem abertas, amplas e livres. Descobriram que podiam cercar Praças e acabaram com o sentido existencial delas. Fiz o Sucatão contornar todo o perímetro e estacionei próximo ao Teatro João Caetano. Desci do carro e pisei na calçada como se estivesse inaugurando um satélite distante, eu ainda estava sob o efeito mágico da cevada.

Não sei se eu estava muito inebriado, mas, bem próximo à esquina em que estacionei, vi uma garota parada com toda a pinta de quem fazia ponto no local. Usava shortinho e top, morena, cabelos cacheados pelos ombros, olhos verdes e uma sobrancelha estilo Ana Hickman. Bem bonitinha e com uma barriguinha que dava aquele leve toque de imperfeição que torna uma mulher verdadeiramente atraente.

Dois rapazes de terno aproximaram-se dela, conversaram por menos de dois minutos e se afastaram. Era uma garota de pista, eu estava convencido. Observei por mais algum tempo e engrenei a abordagem. Seu nome é Carla, é cearense, veio de Nova Russas e é muito bonita de rosto. O corpo é de uma menina que me contou ter parido dois filhos, não é um filezão, mas é gostosinha e de uma sensualidade que magnetiza, fora do comum. 

Fechamos o negócio e ela me sugeriu um Hotel próximo dali, poderíamos ir caminhando.  Levei um choque cultural quando me deparei com o quarto, um ambiente devastado, enfeitado com cortinas rasgadas e velhas que devem ser do tempo de Don Pedro II. Uma cama esquisita parecia alertar que não suportaria o meu peso. Mas o Libertino, algumas vezes, precisa ter espírito de um Correspondente de Guerra, nada pode temer, tudo por uma boa matéria. Entrei no moquiço.

Como eu disse, a Carla não serviria para ser dançarina do Caldeirão do Huck, mas seus 25 anos ainda nos oferecem um bom caldo. O boquete é bom, mete com competência e atende aos requisitos de uma transa rápida e eficiente. Você sai aliviado e não se arrepende. O detalhe que vale ressaltar é o rosto da menina, muito bonita mesmo, uma cearense com um rosto europeu e olhos faiscantes. Saí antes dela do Hotel e retornei caminhando em direção ao carro. O ar da rua estava quente. Liguei os motores e arranquei em velocidade. Tive vontade de cantar e cantei “amor meu grande amor, não chegue na hora marcada”… Coloquei o braço para fora da janela e deixei o vento morno me lembrar sobre a liberdade. Ninguém me esperava, a noite continuava sendo a minha companheira favorita e foi assim que me despedi da Praça Tiradentes.

The Cure

The Cure

SOLUM

Acometido por uma insônia insistente, arremessei-me às ruas como um detento que foge do cárcere. Um dia útil qualquer da semana. A intermitente chuva fina concedia o brilho pálido das luzes de vapor de mercúrio ao asfalto e às calçadas. Chamei um táxi e pedi ao motorista que me deixasse no Boteco Bacurau, uma nova versão do falecido Bar das Quengas.

Gosto dessa parte mais desterrada da Lapa. De um lado o Boteco Bacurau e do outro o Beco da Noite, um moderno e o outro enraizado na decadência dos tempos idos, mas que ainda finca os pés em uma boêmia que o mantém aberto 24 horas. Sentei-me sozinho na parte externa e pedi o meu uísque.

Aprecio beber e deixar fluir os pensamentos pelo efeito do álcool. Sobre o sexo, já provei tudo que minha libido me apontou, nunca fui homem de preconceitos quando a missão se resumia a buscar o prazer.

Atravessei muitas fases da noite do Rio, conheci a Lapa obscura, decaída, frequentada por fantasmas traiçoeiros que vagavam pelas esquinas. Conheci os forrós, celeiro de mulheres oferecidas; as boates da zona sul, da Barra, de São Conrado; descobri os swings desde o surgimento deles; me aventurei por todos as vielas e pelos recantos que me prometessem um novo orgasmo.

Certa vez um forista me chamou de Highlander, talvez eu seja, envelheci, não estou em forma, mas ainda não me cortaram a cabeça. O prêmio disso é que me restou pouco para desvelar e o tédio me assombra incansável neste último ciclo da minha jornada.

Sou um personagem movido pelo imprevisto, por isso não é surpresa o fato de que nunca aderi ao matrimônio, essa ilusão monogâmica que fabrica os nebulosos adúlteros. Sou passional, mas não sou prisioneiro. Com a visceral convicção de me manter livre, também evitei procriar. O preço dessas escolhas foi a contemplação de uma liberdade abissal que muitas vezes me oprime. A solidão é uma mulher possessiva.

Por todos esses motivos, me surpreende quando leio indivíduos escrevendo relatos reincidentes com as mesma garotas, algumas que eu conheci e em nenhuma delas identifiquei qualquer virtude que me motivasse a reencontrá-las. Suponho que eu já esteja em outro patamar, uma posição que o contexto da vida não permitiu que esses sujeitos de falsas alianças alcançassem. Provavelmente, é o melhor para eles.

Nunca bebo destilados sem ingerir goles generosos de água simultaneamente. Tornei-me imune à ressaca, mas não aos efeitos inebriantes do álcool. Depois de não sei quantos copos de Black Label, não conseguia mais focar os olhos com precisão, o corpo imbui-se de uma leveza descoordenada, as pernas presumiram flutuar ao invés de tocar o chão. Paguei a conta e admito que deixei o bar cambaleando, em avançado estado ébrio.

TENEBRIS

Não me agradava seguir em direção ao miolo da Lapa. Emparelhei o celular com o aparelho auditivo e escolhi a música que pudesse me despertar os sentidos anestesiados…

THE CURE – LOVE SONG

A melodia me fez entrar em uma conexão catártica com o êxtase da madrugada. Atravessei a Avenida Mem de Sá, passei ao lado do Beco da Noite e segui pela rua transversal. Não ouvia qualquer outro som que não fosse o The Cure inundando os meus tímpanos. Um gato me fitou da janela de um edifício carcomido pelas eras. Nada em volta. Tudo era vácuo. Prossegui pisando no concreto com as botas acorrentadas às minhas pernas impulsionadas por ideias abstratas.

Eu estava vestido de preto, tenho predileção por tons escuros. Sou uma alma gótica. Ia camuflado, me embrenhando pelas ruelas profundas do Centro da Cidade. Se sou corajoso? Não, nunca fui e é por isso que me arrisco, sou movido a adrenalina, o único antídoto que me faz sobreviver ao meu próprio fastio pelo mundo.

Avistei duas mulheres paradas em frente a um portão quase dissolvido pela ferrugem e decorado por uma lâmpada vermelha, elas também me viram e me encararam. Estanquei o passo. O que é o destino, afeiçoado leitor? E como ele prega peças nos homens sem fé.

Uma das mulheres me pareceu bonita, uma morena de longos cabelos cacheados, encaixada em uma minissaia justíssima que não nos poupava de salivar pelas coxas grossas que exibia sem pudor. Ela me fez um sinal e me aproximei. Como eu disse, meus olhos estavam com dificuldade para focar imagens estáticas, mas me esforcei.

— Quer gozar, amor?

De algum ponto da rua, subitamente, rompeu uma voz potente gritando como se fosse para mim…

— É TRAVESTI, COROA!

Sinceramente, não posso acreditar que fosse. A concentração dos travestis da Lapa fica, justamente, nos arredores da Rua Gomes Freire, no entorno dos Arcos e eu estava distante desse ponto. A mulher transbordava feminilidade, a voz adocicada, a pele de cetim. Não que travestis não possam ser femininas, não cultivo essas discriminações, mas não duvidei do gênero da persona à minha frente, mesmo que a embriagues pudesse embaçar o discernimento.

VOLUPTAS

— E aí? Quer gozar, meu bem?

— Quanto e onde? Estou sem carro — respondi.

— É cem reais aqui no meu local. Quer ver?

Puxou-me pelo braço, atravessamos o portão de ferrugem enfeitado com a luz vermelha, circundamos um espaço que suspeitei ser uma garagem, desembocamos nos fundos de um sobrado a beira do desabamento e entramos. O cheiro de mofo quase me despertou do porre, a menina me conduziu por dois lances de escadas e me vi em um salão imenso ornado por colchonetes no piso ancestral, sem nenhuma divisória.

— Que lugar é esse? — derramei a curiosidade irrefreável.

— É a Calígula — lembrei-me de um inferninho daquela rua, mas não exatamente com o nome que ela citou.

A garota me disse que ali funcionou uma antiga boate e que ela e algumas amigas tentavam reabrir. Não havia vestígio de boate, só ruínas não identificáveis de algo subterrâneo que existiu no local. Não sei como, mas a luz funcionava, a água idem. Lavei o rosto na pia amarelada de um banheiro em destroços e enxuguei-me com a camisa.

A garota me conduziu a um dos colchonetes, me deitei. Vi que em um canto mais distante um outro sujeito transava com um vulto feminino que estava de quatro. Disse a menina que eu desejava somente um boquete, ela abriu o meu cinto, arriou minha calça e me abocanhou com força. O pileque me faz mais sensível, gozei rápido, paguei e me recompus. Perguntei o nome da moça: Michele.

Retornei às ruas sombrias, acionei novamente o meu celular e deixei que outra melodia me embalasse de volta para casa.

THE CURE – A FOREST

O libertino vive.