A dança da enguia

A DANÇA DA ENGUIA

Era uma sexta-feira do mês de dezembro, um fim de tarde muito quente no Rio e a sensação de calor convidava para uma noite de novas aventuras. Como de hábito, eu e meu sócio da night, o Teixeirinha, marcamos o nosso tradicional chope de final de ano. Era uma data ímpar: iríamos comemorar 15 anos de uma sólida amizade e, por isso, haveria também uma esticada a um dos nossos points prediletos onde pretendíamos romper a madrugada.

Marcamos de nos encontrar pelas 19h30 próximo ao Mourisco, em Botafogo. Uma das marcantes características do Teixeirinha é a impontualidade, portanto, ele só chegou às 20h, mas eu já estava lá, pacientemente, esperando. Apareceu todo eufórico, segurando uma embalagem numa das mãos. Quando se aproximou, vi que se tratava de um LP. O Teixeirinha tinha dessas coisas, virou colecionador de LPs somente quando pararam de fabricar LPs. Foi logo anunciando com a voz grave de tom meio nasalado:

— Encontrei, cara! Encontrei! O LP do Michael Jackson. Thriller! Mais um pra coleção!

Ele estava bastante empolgado com o novo item para aquela o seu acervo jurássico.

Estávamos os dois sem carro nesse dia e sugeri que pegássemos um táxi para fazermos uma boquinha no Rio Sul, perto dali. O Teixeirinha topou de imediato, mas achou que estava cedo e pediu para irmos caminhando, atravessando a pé o Túnel do Pasmado. Não entendi muito bem o objetivo da caminhada, mas lá fomos nós…

Quando alcançamos, mais ou menos, o meio do túnel, o Teixeirinha pisou em falso numa das lajotas do piso, que quebrou na hora e criou uma fenda onde ele caiu em pé, cravando as duas pernas no buraco. Começou a afundar lentamente, como se estivesse em areia movediça. Quando vi, a cabeça dele já estava na altura do meu joelho.

Imediatamente, tentei segurar o braço do meu amigo para tentar resgatá-lo daquele atoleiro, mas o Teixeirinha é daquele tipo que quando fica nervoso quase beira o histerismo. Quando agarrei seu braço, ele passou a agitar convulsivamente sobre a cabeça o LP que tinha nas mãos e, ao mesmo tempo, gritava:

— Salva o Michael Salva o Michael Primeiro salva o Michael!

Fez-se a ocorrência surrealista, no meio do Pasmado, onde eu decidia se deveria salvar primeiro o Michael Jackson ou o Teixeirinha. No final, consegui resgatar os dois e poupá-los de serem tragados pelo Túnel movediço.

Conseguimos chegar ao Rio Sul, jantamos e partimos para Copacabana, onde tomaríamos nosso chope.

Paramos num pé-sujo ali na Miguel Lemos e começamos nosso ritual de chapar. Lá pelas 23h30 traçamos que iríamos entrar na Help, o local mais próximo de onde estávamos.

Fim de ano, a Help estava abarrotada. Muitas mulheres e uma grande diversidade de gringos. O Teixeirinha, que já estava para lá de Marrakesh, era só felicidade. Ficava o tempo todo falando em inglês, tentando se passar por americano, achando que assim teria mais atenção. Eu, que às sextas-feiras, me fantasiava de executivo, num terno e gravata, porque julgava que me conferia mais moral sair assim, não havia mais poros para suar, o calor me massacrava.

Pelas 2h da madruga, outro acontecimento. Estávamos bebendo numa das extremidades do salão, quando surge do meio da pista de dança uma morena exuberante: cabelos compridos, um vestido preto justo, alta e bem charmosa. Ela mirou direto o Teixeirinha e parecia estar vindo lentamente em sua direção, vinha dançando e não desviava os olhos dele. Quando me virei para o rosto do Teixeirinha, querendo saber se ele tinha percebido, o sujeito estava apoplético e sem reação. De repente, se manifestou com a frase que ficaria registrada para sempre em nossos arquivos:

— Que isso, cara! Olha a mulher que tá vindo aí fazendo a dança da enguia! – Exclamou. 

E era verdade, a menina vinha num tal contorcionismo que faria inveja a muita Odalisca profissional. Como eu já estava explodindo em risos, resolvi me afastar e acompanhar o episódio a uma distância segura. O Teixeirinha começar a dançar, indo ao encontro da garota e imitando a mesma coreografia erótica que havia batizado como dança da enguia.

O meu parceiro se torcia em movimentos sofríveis de um corpo bêbado que já năo respondia pela integridade da sua coordenação motora. Mas o Teixeirinha se esforçava, num heroísmo suicida, tentando impressionar a garota que também continuava a se lançar insinuante.

De repente, perdi o Teixeirinha de vista! Ele desapareceu! Forcei a vista na procura e nada… A garota continuava dançando, mas cadê o Teixeirinha? Comecei a notar que se abria uma clareira na pista de dança e pensei logo: “Deu merda! ”

Corri em à pista e encontrei o Teixeirinha, estatelado no chão, cercado de gringos que tentavam ajudá-lo, ele gemia alto e ainda tentava explicar:

— Porra! É cãibra! Cãibra! Eu não sei falar essa porra em inglês, mas é căaaaibra! – Lastimava-se o meu camarada. 

Tive que chamar um dos seguranças para me ajudar a erguer o Teixeirinha, ele não se levantar de jeito nenhum, alegava que a gravidade era mais forte do que ele.

Terminamos numa mesinha do Bob’s, devorando saborosos sanduíches e sorrindo para o borbulhar das ondas que acariciavam as areias da praia.

Cest La vie!

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