A garota da Urca

A GAROTA DA URCA

CASUALIDADE

Eu preferia estar escrevendo um relato tradicional, informando o telefone, o site e as fotos da protagonista, mas não será possível porque a garota prefere não se expor em espaços como os fóruns. Por isso, o que teremos aqui será um relato off. Caso se interessem pela personagem, sugiro que soltem os perdigueiros e tentem encontrá-la com as pistas que irei exibir.

BUSCA FRENÉTICA

Há cerca de três semanas, eu navegava no Tinder, onde frequento cada vez mais raramente. Naquele esquema tedioso do cara-crachá, marcava o coraçãozinho nas faces mais expressivas. Alguns matches aconteciam, enviava mensagem, mas sem resposta. Quando já estava para fechar o aplicativo, recebo um retorno.

— Olá — envia-me a mulher.

— Oi. Tudo bem? — Respondo.

— Tudo bem, sim.

— De onde você fala?

— Da Urca e você?

— Estou na Tijuca. Qual seu nome?

— Clara.

A conversa prosseguiu por mais algumas linhas até que sugeri que continuássemos o papo pelo WhatsApp. Clara aceitou.

Não posso dizer que fiquei surpreso quando Clara se revelou uma sugar baby, o eufemismo pós-moderno para garota de programa. Nas fotos do Tinder a moça é tão inacreditavelmente bonita que perguntei se poderia me enviar fotos pelo zap, ela atendeu o meu pedido sem cerimônias ou frescuras hipócritas de quem teme pela identidade. 

Clara é uma loira de olhos verdes, disse ter 1,70m, seios médios em forma de pera e com o biquinho dos mamilos apontados para o espaço sideral, pernas longas e grossas cobertas por uma penugem loira formada por pelos naturais, o rosto possui uma simetria invejável que denuncia ascendência europeia. Lindíssima. Decidi ser mais objetivo diante da revelação fotográfica daquela beldade.

— Quanto é para poder ficar com você? — Pergunto na lata.

— Docinho, não estipulo valor. Você me dá o que achar que mereço.

Estranhíssimo — pensei. Não confio nesses discursos de “você me dá o que mereço”. Fiquei desconfiado e temeroso. Uma loira portentosa, moradora da Urca, fazendo programas e não querendo garantias? Algo de podre no Reino da Dinamarca.

— Não pode nem sequer me dar uma ideia do valor? Fico inseguro desse jeito — joguei aberto.

— Docinho, confio no seu bom senso.

Havia um sotaque na pronúncia de Clara que eu não conseguia identificar.

— Você é do Rio?

— Não. Sou do Espírito Santo. Capixaba. Filha de brasileira com alemão.

Estava explicada a aparência escandalosamente nórdica da moça. É interessante perceber o quanto o sangue nórdico fascina as nossas veias de brasilidade mestiça. Clara possui um sotaque mixado entre mineira e falante do interior de São Paulo. É melódico, gostoso de ouvir, acaba servindo como mais uma ferramenta de sedução da menina, como se já não bastasse a sua beleza estonteante. Continuamos conversando, percebi que estava falando com uma mulher inteligente, foi quando ela me revelou ser formada em Letras pela PUC e lecionar como professora em escolas particulares. Por que fazer programa?

— Porque eu gosto e me gera uma renda a mais para as minhas futilidades.

Eu estava com muitas dúvidas sobre arriscar conhecê-la. Em um momento em que conversávamos sobre livros, ela me revelou possuir mais de um exemplar de um título raro que procurei por metade da minha vida sem encontrar. Perguntei se ela me venderia o livro, ela respondeu que sim. As minhas dúvidas se dissiparam, decidi conhecer Clara.

A BELA DA URCA

Ela me passa o endereço, um prédio na Urca, em uma rua próxima a uma praça no miolo do bairro. Acionei os motores de Herbie, meu fusca, e partimos rumo ao desconhecido. Nunca cultivei o costume de me aventurar em encontros sexuais sob a luz do Sol, mas o advento da pandemia obrigou-me a alterar hábitos seculares em mim. 

Marcamos após o almoço, o dia estava belíssimo, com um céu azul tão impecável que se afigurava opressor. Qualquer beleza excessiva intimida o homem comum. Para uma sexta-feira, o trânsito estava tranquilo e Herbie deslizava sereno sobre o asfalto, ostentando a sabedoria milenar dos fuscas. Atravessamos Botafogo, entramos na avenida da Urca que margeia a Baía de Guanabara e nos abismamos com aquela paisagem eletrizante do melhor Rio de Janeiro. Parei o carro e tirei fotos como um turista inebriado. Não tive dificuldades para estacionar. Envio mensagem pelo celular perguntando o número do apartamento, conforme instruções de Clara, ela informa e prossigo na operação.

Um prédio baixo, discreto, com porteiro eletrônico. Toco no apartamento e a voz feminina com sotaque me recebe.

— Bem-vindo, querido.

A descarga elétrica libera a porta. Sem elevador, subo pelas escadas envoltas em penumbras e alcanço o segundo andar. A porta estava semiaberta, mas toco a campainha. A porta se escancara subitamente e o meu coração quase interrompe o fluxo delicado da vida. Acredite, afeiçoado forista, que mulher absurda. 

Clara é a mulher elevada a raiz quadrada de algum teorema supremo e divino. Atendeu-me à porta com um top e um shortinho que revelavam toda a sua dourada exuberância feminina. Foi como se meus pulmões entrassem em modo de suspensão, creio que parei de respirar por uns vinte segundos. As batidas dos meus bolorentos músculos cardíacos dispararam como se estivessem em uma crise de ansiedade. Clara percebeu meu nervosismo e riu.

— Entra, guri — ordenou-me com um sorriso que escandalizava seus dentes perfeitos, pérolas esculpidas entre seus lábios carnudos.

LAR DOCE LAR

Sei que alguns dos afeiçoados foristas duvidarão desta história. No mínimo, se perguntarão na intimidade dos pensamentos: “será que é verdade?” — Eu sou capaz de compreender o ceticismo desses amigos, é difícil enxergar outras possibilidades quando estamos totalmente acostumados ao sexo delivery. No entanto, creia estimado parceiro de aventuras, é verdade o que narro aqui. Tento preservar todos os detalhes dos quais me recordo para que a história transmita a veracidade do que vivenciei. Não nego, fiquei tenso durante o tempo em que estive com Clara. Passei por uma outra experiência semelhante no Tinder, mas não com a profundidade da que relato agora para vocês.

O interior do apartamento mostrava simplicidade. As paredes em tom bege refletiam a minha palidez diante da Vênus radiante. Uma estante de madeira escura guardava livros e revistas em pilhas aparentemente desordenadas. A luz natural invadia todos os cômodos, tudo muito solar, o que não deixava dúvidas sobre a extrema beleza de Clara. Aqueles pelinhos dourados das pernas brilhando a cada toque da claridade começou a me causar um tesão quase incontrolável. É uma confidência, mas adoro mulheres com pelos loiros nas pernas, considero um elemento excitante. Além disso, a garota ia à minha frente com o short minúsculo deixando escapar a polpa de sua bunda digna de capa de revista.

— Vem conhecer a casa — ela me diz.

Pega a minha mão e me leva a cada canto do apê. A cozinha pequena quase fazia parte da sala; dois quartos também de dimensões modestas, um deles abrigava uma cama de casal e o outro estava repleto de bagulhos e com uma gaiola habitada. A menina criava um furão. Sim, meus amigos, um furão como bicho doméstico. Quando o animal me viu, pulou nervosíssimo, como se fosse arrebentar as grades da gaiola. Ele me encarava e emitia uns grunhidos assustadores. Fiquei com a sensação de que se ele escapasse da cela sobraria pouco de mim. Clara me puxa do quarto selvagem e fecha a porta.

Entra comigo no seu recanto mais íntimo, o quarto em que dorme. Havia duas prateleiras com uma coleção de pênis de borracha, desde o tamanho Terra de Gigantes ao diminuto modelo Tatoo, da Ilha da Fantasia. Na parede atrás da cama, algemas prateadas estavam penduradas como se fossem objetos decorativos. Num mural lateral, vi chicotes expostos. Em frente à cama, um retrato da Sharon Stone segurando o picador de gelo do filme Instinto Selvagem. Parecia o set de filmagem de “Cinquenta Tons de Cinza”. Tudo era estranho.

De volta à sala e Clara me pergunta se aceito um suco de laranja.

— Aceito.

Ela sai e retorna com um copo suando de gelado, bebo quase que em um só gole para irrigar a minha boca seca pela ansiedade. De repente, ela coloca a mão na minha perna e fica friccionando as unhas numa região muito próxima ao Pikachu, que nesta altura já não sabia se queria fugir ou ficar. Calor. Clara sugere que fiquemos no seu quarto, ela ligaria o ar-condicionado e colocaria música. Segui a líder.

Clara é calma, gestos lentos, voz serena. Conversar com ela é quase como se estivéssemos em uma sessão de Tai Chi Chuan. Os olhos emitem um tom verde faiscante, capaz de hipnotizar a serpente bíblica. Conta-me um pouco da sua vida, fez parte da Marinha por um período como enfermeira, mas depois decidiu seguir o magistério. Jovem, morando bem, deve ter se esforçado para compor a trajetória. Perguntei de novo: por que fazer programas?

— Fantasia e vontade de ter mais dinheiro — ela responde.

— Não tem medo de trazer estranhos na sua casa?

— Nem todos vêm aqui, sou muito criteriosa nas escolhas. Sinta-se um privilegiado.

Articuladíssima, a garota sabe seduzir. Talvez, nem precisasse saber, pois com aquela estampa europeia ela seduz até estátua do século 19 cagada por pombos.

Realmente, eu gostaria de poder colocar aqui os dados de contato da loira. Quando perguntei sobre fóruns, ela disse que conhecia; quando a questionei novamente se me permitiria escrever sobre nosso encontro, ela explicou que preferia clientes aleatórios que a encontrassem pelo aplicativo. Não me restam opções além de respeitar a vontade da mulher.

A campainha toca, meu coração quase sai pela boca e Pikachu quase comete um salto suicida pela janela. Quem seria?

— Gato, dá um minutinho que eu vou atender. Você se importa?

Não sei se balancei a cabeça aprovando a intenção de Clara ou se a minha cabeça apenas tremeu histérica motivada por lembranças de cenas de filme de terror. Ela se levantou e foi abrir a porta.

— Gal? Tava por onde, mona?

— Ai Barbie, nem te conto…

Quando dou por mim, irrompe pela sala uma travesti esbaforida, de cabelos compridos com mexas claras de reflexo, usava uma bermuda de causar hemorroidas e falava com uma voz dotada de um inconfundível tom de malemolência da goiabada. Apalpei minha calça e não localizei Pikachu, temi pelo pior. Eu só pensava em correr e entrar no Herbie, numa simulação de fuga espetacular de Alcatraz.

— Dante, essa é a Gal. Gal, esse é o Dante.

— Dante é seu nome?

— É, sim.

— Huhuhuhuhahahaha…

A risada estridente da Gal causou interferência no meu aparelho auditivo. Tarde demais para fugir…

Deixe uma resposta