Matrimônio, celibato & luxúria — Filosofia de Boteco

Matrimônio, celibato & luxúria — Filosofia de Boteco

O filósofo Rousseau escreveu que “na juventude deve-se acumular o saber e na velhice fazer uso dele”, não sei se faço uso de algum saber que adquiri na juventude, levei vida de cigarra, debochando das formigas. Ao contrário de Rousseau, percebo que é na velhice que você aprende refletindo sobre a absoluta inconsequência dos tempos em que fomos jovens. Na adolescência e nos primeiros anos da fase adulta, eu preferia mais a sentença de Platão: tudo que ilude, encanta!

Como já confessei por diversas vezes, nunca me casei e sempre tive aversão a ideia de gerar filhos. Um libertino não se reproduz, é um Highlander que não se perpetua pela procriação, mas pelos rastros que deixa em sua própria história. A minha biografia inclui namoros incontáveis com moças de família (as civis), ficadas com um número incalculáveis de mulheres genéricas e casos breves com garotas de programas. Pode soar como um contrassenso, mas o sexo pago nunca foi a minha prioridade. Talvez, por isso, eu tenha conseguido desenvolver um lado mais intenso que me faz querer alcançar algum tipo de conexão com quem me relaciono, mesmo com as moças que anseiam somente por um cachê. Como cereja do bolo, também criei laços afetivos com uma atriz pornô quando ainda era atriz pornô, chamava-se Natasha Lima, um envolvimento efêmero, mas ardente.

Jamais compreendi o projeto precoce dos meus amigos de se trancarem no matrimônio. Sinceramente, é como se houvessem nascido com essa ideia programada no código genético. Queriam casar por casar. Por quê? Seguiam passivamente o apelo dos hormônios e da agenda biológica que nos induz a perpetuação da espécie. A racionalidade humana não é capaz de conter alguns instintos banais. Eu me contive. Sempre gosto de crer que, talvez, a filosofia e as minhas incansáveis leituras desde a infância me blindaram contra certas doutrinações sociais. Fui mais feliz por isso? Não, fui mais livre.

O libertino, pelo menos no meu caso, não nasce feito. Fui um jovem extremamente romântico, repleto de sonhos hollywoodianos sobre o amor, mandei flores com as quais eu montaria uma floricultura, fiz promessas puras, fui fiel e, no fim, fui corno. Sofri por amor com a pujança de uma tragédia grega, me arrastei, me humilhei por mulheres perdidas na inconstância feminina. Os meus martírios sentimentais aliados à insistência nos livros formaram o casulo que causou a minha metamorfose. Libertei-me.

Perdi a virgindade ao final dos 14 anos, num puteiro ilustre do Rio, a famigerada Casa Rosa, que se localizava na Rua Alice. A ejaculação precoce da primeira experiência não foi capaz de me seduzir para a continuidade das degustações libidinosas. Prossegui vivendo o amor casto por alguns anos mais após esse evento. Não sei determinar quando a minha transformação psicológica ocorreu, lembro-me somente de que, por indicação de um amigo, comecei a frequentar os inúmeros forrós que se espalhavam pela Zona Sul do Rio no final dos anos 80. Foi quando nasceu o meu alter ego, quando surgiu o Dante, codinome usado com as mulheres que eu seduzia e comia. 

Entrei em uma sequência febril de sexo, devo ter comido todas as empregadas domésticas da cidade, todas as balconistas, todas as diaristas, essas eram as mulheres que frequentavam os forrós na época. Jamais abandonei o meu bom gosto, escolhia os rostos mais bonitos, os corpos mais provocantes, foi um período em que fiz as mulheres de objeto como vingança contra aquelas que me fizeram de capacho. Foi correto agir assim? Não, mas um instinto irrefreável emergiu das minhas entranhas e fui dominado pela histeria da testosterona.

Como libertino descontrolado, não vivi mais amores, vivi paixões, daquelas que batizamos como “amor de pica”. Na estreia da libertinagem, também fui obrigado a descobrir que o “amor de pica” pode ser pior do que o amor romântico. O amor romântico é sofrido, o “amor de pica” é obsessivo. Foram poucas as paixões motivadas pelo sexo, mas foram perturbadoras. Em comum com o amor romântico, o “amor de pica” também nos faz suplicar por migalhas, por atenção, pela presença da mulher que nos subjugou na cama. Libertei-me incólume de várias dessas armadilhas e segui buscando o meu equilíbrio emocional.

Apenas o tempo apazígua o espírito. O avançar da idade e a estabilização da libido motivaram os meus passos evolutivos, virei um pervertido, um voyeur, que se não for o último capítulo de um libertino, é o epílogo. Depois que passei a frequentar swings e esbarrar com casais que conseguem assumir o laço libertino que fortalece a união, me peguei pensando na possibilidade de um casamento. Vi muitos casais reais que renovam a paixão vivendo juntos a luxúria e encontram uma satisfação muito maior nesse estilo de vida do que num casamento convencional. A pergunta é como encontrar um par que ofereça o sonho libertino da união promíscua?

 Mulheres promíscuas não costumam ser mulheres leais e eu guardo adoração quase religiosa pela lealdade. Não creio que se encontre com facilidade uma parceira ou um parceiro que nos proporcione uma relação aberta e leal, é uma busca que caminha pelo acaso, pela sorte. No swing, babo de inveja quando me deparo com casais que brincam juntos e voltam juntos para casa, provavelmente para curtir toda a excitação que a noite devassa ofereceu.

Inocência, promiscuidade e depravação, a tabela da evolução libertina. Libertinos são raros porque são promíscuos e leais, só podem dividir sua solidão com uma libertina também depravada e leal. Alguém perguntaria, isso existe? Pelo tanto que observei, existe, mas para encontrar é preciso ter fé. Se não for assim, casar para quê? Chego ao novo patamar da montanha um pouco cansado da existência de encontros fugazes, pois um libertino se entedia facilmente. Não quero a sorte de um amor tranquilo, quero a sorte de um amor libertino, o pódio da luxúria.

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