Ariel

ARIEL

Insone crônico. Já perdi a conta do número de anos que padeço da dificuldade para dormir à noite, não é uma das experiências mais agradáveis perceber que o dia amanhece sabendo que ainda não cerrei os olhos. Não é fácil se acostumar a condição de vigília involuntária, já fiz tratamentos, consultei neurologista, até psiquiatra, mas nenhuma solução oferecida foi mais poderosa do que a minha resistência ao restaurador sono noturno. Nesta última sexta-feira, eu estava assim, desperto, inquieto, precisando atender à convocação das ruas, do céu cinza, da ameaça opressora da chuva. Esperei o temporal estiar, embarquei em um táxi e comuniquei o destino ao motorneiro.

— Camarada, me deixa na Rua Ceará.

Os pneus cortavam os bolsões d’água chiando como lobos no cio, enfrentaram os obstáculos aquáticos da Praça da Bandeira como bravos bandeirantes desbravando um território hostil. Quando alcançamos a esquina da rua Hilário Ribeiro com a Ceará, desembarquei. As nuvens voltaram a chorar com o volume de um temporal. Abri o guarda-chuva e fui atravessando os fluxos de correnteza que se formavam em direção à entrada da Vila Mimosa. Minhas botas encharcaram, as meias cuspiam a água de procedência suspeita, mas segui impávido, marchando firme sob os paralelepípedos do colosso da vida mundana.

Dezenas de copos de plástico boiavam sobre as sarjetas, camisinhas flutuantes giravam no desesperado balé das vidas sem sentido, rios artificiais se formavam com força do dilúvio, homens e mulheres de corpo ensopado passavam por mim procurando abrigo. Eu seguia indiferente, não buscava o sexo, mas caçava a exaustão que me trouxesse os sonhos do adormecer. O guarda-chuva não me protegia muito dos pingos graúdos que o vento lançava contra o meu rosto.

— Caralho. O que estou fazendo aqui? — um lampejo de juízo esbofeteou meu cérebro.

Penetrei no primeiro corredor da Zona, o chão alagado, um cheiro de fossa transpirava do piso, mulheres se amontoavam como se evitassem o contato com o ambiente insalubre. As adversidades enfrentadas até aquele momento não prometiam um desfecho promissor. Digo com sinceridade, afeiçoado leitor que me acompanha neste passeio, eu não fui ali para gozar, estava em fuga, talvez de mim mesmo. Rodei pelos dois corredores principais umas cinco vezes, não via nada que me interessasse. Minha libido estava pálida, apática. Se avaliarmos com honestidade, todos os relatos de fóruns são iguais, uma profusão de tédios que terminam no gozo ou na ausência dele. Somos máquinas narrando a produção industrial de espermas inúteis.

Uma voz de mulher me puxa do meu redemoinho mental.

— Vamos brincar hoje, tesão?

O convite saltava da boca carregada de batom de uma coroa loira que me soou familiar de outras eras da Vila. Os seios espremidos pela compressão de um decote precário alertavam que poderiam explodir a qualquer momento; com um brilho diabólico de quem conhecia a alma de todos os homens, os olhos verdes me encaravam aguardando resposta; os cabelos ruços da marafona estavam arrepiados como que desfeitos por uma ventania.

— Hoje não estou disposto para brincar, estou mais para um bater papo. Qual seu nome?

— Tá no lugar errado, né, tesão? Procura um padre — terminou o deboche com uma dessas gargalhadas de puta velha que devem ter ouvido na Central do Brasil — meu nome é Ariel.

A aparência carcomida pelo tempo não me despertava atração pela mulher, mas aceitei subir a uma alcova para receber o matador boquete sem camisinha que me prometeu. Ela pediu setenta reais, ofereci cem mangos para conversarmos um pouco e quebrar o gelo antes do ato. Aceitou e subimos a estreita escada em caracol da casa 21. A coroa me contou que mora em Santa Cruz, tem três filhos e um está preso em Bangu por roubo, que começou na vida com dezoito anos (tem 55) e ficará até quando der, que ainda faz um bom dinheiro. Parou de falar de repente, me olhou fixo e disse que eu tenho os olhos tristes. Desamarrou meu cinto, arriou a minha calça, sentou-me sobre o lençol puído da cama e abocanhou meu pau como se quisesse arrancá-lo pela raiz. Com movimentos de quem conhece a arte dos orgasmos, me fez gozar em dois minutos. Gozei forte, de olhos fechados, minha respiração transmitia o tufão pulmonar que me assolou. Quando abri os olhos, não havia mais ninguém na cabine, a coroa saiu em silêncio e me deixou só. Vesti a roupa, desci a escada tortuosa e ganhei a rua. Continuava a chover, não abri o guarda-chuva dessa vez, a água corria pelo meu rosto, invadia meu corpo, gelada, fria como a coroa que me chupou. Caminhei com as roupas alagadas até um ponto de táxi próximo à Mosaico.

— Me deixa na Praça Xavier de Brito, motorista.

Encostei a cabeça no vidro da janela e, por um instante, adormeci.

Deixe uma resposta