Marie
Um vento noturno e morno esbofeteava o meu rosto pela janela entreaberta. Ao som de Bllie Elish, o Sucatão avançava sobre o negrume do asfalto. As lufadas batiam num ritmo que me inquietavam.
— Que merda que eu tô fazendo? — pensei quando saí da Avenida Brasil para me enveredar pelas penumbras da Rodovia Presidente Dutra.
A consciência da velhice vem com o fato de nos sentirmos deslocados dentro do nosso próprio tempo, é assim que começo a me sentir.
Conheci Marie pelo aplicativo Jaumo, a piranha fez questão de pronunciar o nome de modo afrancesado. Com um rosto capaz de espantar moscas de velório, a moça possui um corpo que parece esculpido em longas sessões de crossfit. Foda-se o rosto, não me interesso mais pela beleza da face, belos corpos são o que me soam como afrodisíaco.
Marie não fez cerimônias, se apresentou de cara como garota de programa, informou que não marcava encontros, quem quisesse que fosse encontrá-la onde ela trabalha ou poderia comprar os vídeos que ela produz. Deu-me como ponto de referência uma área não muito especificada da Rua Maria Leopoldina, em Nova Iguaçu, próximo ao Posto 13.
Aqui, retornamos ao início desta história. Sim, isso é uma história, porque o sexo não pode se transformar num registro burocrático, como se fosse um documento de cartório, carimbado com nível de avaliação e que irá ser contabilizado pela frieza dos números. Se for assim, irei concordar com a rameira que certa vez me disse que foristas levam uma vidinha de merda.
Um encontro sexual é um capítulo importante para aqueles que se propõem a vivê-lo. É uma das mais valiosas aventuras que nos restam, mesmo que seja vivida ao lado de uma prostituta. Indiferente às limitações linguísticas de cada um, o sexo deve ser narrado como um ritual.
— Qual referência na Rua Maria Leopoldina? — perguntei.
— Perto do posto. Faz assim, me espera no posto e te acho — respondeu-me procurando saber qual era o meu carro e a cor.
Imprevistos podem ser sinais ou somente imprevistos. O pneu do Sucatão furou em um território inóspito da Dutra, quando eu me aproximava do destino. Puta que pariu — praguejei (uma única vez está de bom tamanho, me ensinaram que o menos é mais).
Arremessei o carro para o acostamento, mas fiquei com a neura de que seria atropelado se desembarcasse. Milagres acontecem, logo surgiu uma viatura da Concessionária que administra a via e um rapaz fez a troca do pneu voluntariamente. Dei uma caixinha de 50 pilas porque percebi o olhar de expectativa do funcionário da via.
Alcancei o tal Posto 13. Ancorei o Sucatão. Cheguei adiantado, enviei mensagem à Marie e ela me pediu para esperá-la. Decidi caminhar pelos arredores e avistei um boteco animado, todo enfeitado com painéis de luzes de neon. Aproximei-me e entrei.
Os ladrilhos azuis que recobriam o bar estavam enfeitados com bexigas festivas e cartazes de aniversário. Considerei sair do local, pois me pareceu uma festa privada. Quando comecei a recuar, uma voz de barítono vibrou na minha direção.
— E aeee, parceiro. Que coisa grande é essa estufando a tua camisa? — me perguntou o sujeito.
— Isso aqui? É a minha barriga ostentando a falta de modéstia — respondi o óbvio.
O barítono gargalhou alto e me estendeu uma lata de Brahma.
— Bebe aí — ordenou-me —, tu é da vizinhança?
— Não, não. Vim encontrar uma menina.
— Ah, por aqui tem muitas meninas, tem pra todos os gostos, tem até boneca também. Por mim, se tiver orifício, tô dentro. É ou não é? — gargalhou alto novamente.
Pela primeira vez, eu ouvia a criatura humana ser definida como “orifício”. Bebi e saí de fininho. Fui esperar Marie próximo ao carro, era o mais seguro a fazer.
Marie chegou com um sorriso destacando um rosto que poderia ser confundido com o apocalipse, mas o corpo… que corpaço. Entramos no carro e partimos para um motel próximo, no trajeto ela me mostrou o ponto onde algumas meninas ficavam reunidas, prontas para atender aos caprichos masculinos em troca de uma prenda.
Foi bom. Marie beija bem, realizou um boquete surpreendente, me fez gozar rápido. Cumpriu a tarefa sem me causar espasmos empolgantes. Em menos de uma hora, me vi novamente na Dutra, agora retornando à bucólica Tijuca.
Terminei conhecendo um ponto que pode ser promissor se eu estiver com disposição para dirigir. Além das meninas de reputação duvidosa, também avistei as trans, como destacou o barítono do botequim. Para quem gosta de “orifícios”, o céu é o limite. Até o diabo tem direito ao livre arbítrio.
A noite era densa, se misturava ao asfalto. No rádio, tocava B.B.King. Um silêncio absoluto encobria o movimento reduzido de veículos. Seria a minha existência uma vidinha de merda como disse a puta amarga? O certo é que dediquei muitos anos aos caprichos da libido, mas eu era jovem e jovens são fantoches dos instintos.
Nesses mais de 20 anos escrevendo sobre sexo, compartilhei as minhas vivências em quase dez sites que nasceram e sumiram. Através da escrita, ajudei muitas meninas, algumas eu admirei, outras eu transformei.
Inventei paixões por mulheres incapazes de se apaixonar, pensei fazer amigos incapazes de compreender a minha amizade, passei perrengues perigosos, me arrisquei. Descobri que a mediocridade é ressentida e venenosa. Sobre a vaidade, é a sombra que nos trai. Todos os fóruns foram e são um tubo de ensaio da vida real.
Este velho escriba percorreu uma jornada longa. Sinceramente, não sei o que ainda não vivi. Vivi o que vivi no tempo em que deveria viver. Eu me permiti experimentar o infinito, livre das limitações, das censuras, dos preconceitos e dos ressentidos. A idade madura e o desenrolar irrefreável dos dias faz da última página uma perspectiva próxima. Se eu não for um Imortal da ABL, fui aqui.
Prestes a imbicar na Linha Vermelha, a música que emergiu do rádio prometia me proteger dos contrariados, pois São Jorge matou o dragão envolto pela luz da lua e eu matei muitos sob as lâmpadas rubras dos cabarés. A noite pulsa, o libertino ainda vive…