RUA DA LAMA — NOVA IGUAÇU
NO TÁXI
Adormeci com a cabeça recostada no banco de trás de um táxi que atravessava a Avenida Presidente Dutra em alta velocidade. Sonhei com um passado remoto, no seio da juventude, quando um primo endinheirado me levou em uma viagem para Saint-Tropez, na Riviera Francesa. Foi um marco na minha existência, as festas, as boates, as mulheres inacreditáveis que pareciam importadas do Olimpo. Despertei subitamente com o motorista batendo em minha perna.
— Chegamos, amigo — ele me avisa.
Eu me senti como Neo recebendo a pílula vermelha de Morpheus. Da paradisíaca Saint-Tropez envolta em perfumes afrodisíacos, acordei entre a fumaça e o cheiro de churrasco de botequim num lugar chamado Rua da Lama, em Nova Iguaçu. Não foi a minha primeira escolha, eu pretendia conhecer o bordel Top Night, também em Nova Iguaçu, mas por sugestão do próprio taxista alterei a rota. Só pode ter sido sacanagem do sujeito.
RUA DA LAMA
Já se fazia noite alta, a região exibia bares cheios e movimento heterogêneo de pessoas andando de lá para cá. O som de pagode misturado à gritaria do funk açoitavam os tímpanos. Sem saber aonde ir, procurei um pouso provisório e aterrizei em um bar de esquina. Peço uma dose de uísque e o garçom me chega com uma garrafa de Teacher’s
— Não tem Black? — pergunto.
— Black?! — ele me devolve a pergunta.
— Deixa pra lá… — desisti.
Encheu o copo sem gelo e saiu.
Fiquei contemplando aquela paisagem de destroços de guerra, tentava me situar, buscar o objetivo da missão. Um casal jovem ao meu lado parecia simpático, perguntei se havia alguma boate boa na área.
— Tem a Site — me respondeu a mocinha com uma surpreendente voz de tenor do Teatro Municipal. Estranhei…
Bebi mais uma dose de uísque e fui procurar a tal boate Site. Segundo me informaram, ficava numa rua vizinha ao ponto em que parei. Tudo soava como se eu estivesse em uma aldeia nos confins da Amazonia. Não precisei andar muito, logo avistei uma construção carcomida pelo tempo, tijolos sem embolso, um pessoal excessivamente eufórico na entrada e uma recepção que me trouxe a mente a imagem do Trem Fantasma do antigo Tivoli Parque.
— Onde eu compro ingresso? — perguntei.
— Aqui — informou-me uma mocinha com expressão de quem planejava um assassinato.
A SITE
Paguei e fui conduzido para dentro da boate. O ambiente escuro, um palco enorme ao fundo da arena, uma pequena entrada ao meu lado esquerdo camuflada por uma cortina gasta. Do meu lado direito, outra entrada de onde brotava o som de um funk proibidão tão ensurdecedor que ameaçava o que me resta de audição. Girei até encontrar o bar interno em que comprei uma cerveja, me posicionei em um canto e contemplei o cenário.
A realidade se impôs, eu estava em uma boate LGTBA mista, muitos travestis circulavam felizes. Também havia mulheres, todas jovens. Na verdade, a frequência era predominantemente jovem, o que me fez desconfiar de que eu seria o personagem mais velho presente. Não tenho problemas com boates alternativas, já passei da idade de autoafirmar a minha masculinidade. Vivo. E gostar de viver implica em conhecer e descobrir todos os temperos da vida.
A Site, diferente do Palácio de Cristal (Lapa), só realiza shows com as divas divinas travestis. Não há strippers mulheres como a bela Gisele. Estagnado por muito tempo no mesmo canto, decidi me mover e entrar na pista do funk. Foi um erro, eu mal conseguia atravessar a multidão comprimida que dançava em saltos coletivos, pois qualquer iniciativa individual se mostrava inviável. Um pulava, todos eram obrigados a pular, inclusive este velho e deslocado escriba. Quando dei por mim, estava em saltos ao som de Beat do Pica Pau. Tipo baile de favela.
Com esforço hercúleo, empurrando e sendo empurrado, consegui retornar à pista maior. Voltei a respirar. Não suportando mais o som ambiente, preferi emparelhar o meu aparelho auditivo com o celular em alguma música aleatória que me resgatasse daquelas batidas caóticas.
Acredite, forista sem fé. Não duvide, florista de sapatilha. Não tema, florista de pantufas. Foi este o momento em que ocorreu o primeiro clímax, uma morena alta cruzou a pista da boate, cabelos negros e compridos, ostentando um corpo de Miss Universo, encaixada em um macacão sensualíssimo e decotado até a alma. Salivando, acompanhei a sua passagem.
Eu estava com aquele desprendimento que só o álcool é capaz de proporcionar. Inebriado pela presença descomunal daquela fêmea, movido por um ímpeto ébrio irrefreável, executei a abordagem.
— Boa noite. Posso te pagar uma bebida? — entrei de sola.
A mulher me olhou de cima abaixo, reparei que ela me superava levemente na altura, deu um sorriso xoxo e respondeu.
— Só se for um guaraná. Eu não bebo.
O tom da voz me soou peculiar. Por algum desses mistérios inexplicáveis, o timbre me fez lembrar da Goiabada Cascão. Creio que a moça percebeu o meu semblante confuso e complementou a resposta.
— Você sabe que sou uma Lady Boy, né?
“Lady Boy”… meus neurônios precisaram de mais alguns segundos além do tempo regulamentar para processar a informação. A expressão era nova e inédita no meu dicionário mental, mas compreendi a mensagem.
— Sem problemas — respondi tentando aparentar total naturalidade — vou pegar e já volto.
Sou educado e tento ser um homem moderno. Voltei, entreguei o guaraná antártica à sincera Lady Boy e avisei que ia dar uma circulada.
Retornei ao meu posto inicial. Sem que eu percebesse a aproximação, uma mulher se colocou na outra ponta da minha mesa e me mostrou um copo como quem insinuasse desejar beber comigo. Compartilhei a minha Original. A menina tinha uns olhos verdes que faiscavam no breu da boate, cabelos Chanel, usava uma bermuda branca que não escondia as coxas grossas, um top anunciava o abdômen sarado e os seios firmes. Ela bebia, me olhava e sorria. Fiquei bolado, mas puxei conversa.
— Qual seu nome? — iniciei.
— Paula.
Meus pensamentos buscavam traduzir a possibilidade de ser outra Lady Boy, pois naquela escuridão nada era definitivamente identificável.
— Você é gay? — a moça me perguntou sem cerimônia.
Como responder que não se é gay no centro de uma boate prioritariamente gay? Melhor ser honesto.
— Não, não… sou curioso — a resposta foi meticulosamente calculada para amenizar o impacto.
— Aham… — devolve Paula.
Paula contou-me que foi encontrar uma amiga que não apareceu, é moradora de Miguel Couto, se surpreendeu quando soube que vim da bucólica Tijuca. A menina demonstrava os efeitos do álcool, estava visivelmente embriagada, alegre demais. De repente, esticou o braço, apontou o dedo e me perguntou…
— Vamos ali?
A direção do dedo apontava para a cortina surrada que vi quando cheguei na boate.
— Ali? O que é ali? — perguntei.
— Vamos que você vai ver.
A CORTINA
Atrás da cortina a escuridão ficou mais intensa. O que se escondia ali só pode ser comparado a uma suruba improvisada. Vultos embolados, bocas agachadas, gemidos pairando como neblina, um calor de corpos que me fazia suar.
— Você pode me emprestar 50 reais? — solicitou Paula ao pé do meu ouvido surdo.
Puxei a carteira sem enxergar absolutamente nada, acendi a lanterna do celular e fui saudado por uma vaia.
“ÔOOOOooooooo… Desliga essa porra!”
Saquei a nota de cinquenta, enfiei na mão de Paula e apaguei a lanterna. Por segurança, coloquei a carteira debaixo do sovaco e segurei o celular entre os dentes. Senti a garota desafivelar minha calça, puxá-la ao chão, arriar minha cueca e me abocanhar sem piedade num boquete com a boca em brasa. Um mata-leão que me nocauteou rápido, lancei meus espermas às trevas e alguns outros na boca de Paula. Com o corpo ainda trêmulo pelo orgasmo, esforcei-me para puxar a cueca e a calça para a posição correta, pedi ajuda à Paula, mas ninguém respondeu.
Movimentei as mãos a procura do corpo da menina, mas só esbarrei no vácuo. Chamei-a novamente e nada. Eu não enxergava um palmo além do meu nariz, queria encontrar a saída, a única opção foi ligar novamente a lanterna do celular…
“ÔOOOOOOOoooooo…. Desliga essa merda!”
Foi como escapar de um dos círculos do Inferno. Paula desapareceu. A madrugada aproximava-se da fronteira do amanhecer. Deixei a boate e pedi um Uber que demorou quase meia hora para chegar.
Recostei a cabeça no banco do carro. Dessa vez, os sonhos não me levaram de volta à efervescente Saint-Tropez de um passado distante. Apenas apaguei, mergulhando na minha própria escuridão enquanto o Sol lançava os primeiros raios que fazem a Terra brilhar diante do imenso vazio obscuro do universo.
Cara, simplesmente amei esse relato. Desde muito novo leio suas vivencias e cada vez mais aumenta a minha de partilhar uma noite contigo, desbravando as ruas do Rio de Janeiro. Eu seria como um jovem robusto Robin, que cuidaria dos pontos cegos do Batman.
Ei, ainda aguardo ansiosamente a continuação da historia com o cara chamado “talento” haha.